Um piano, um violoncelo e uma harpa aguardavam entre mesas e cadeiras onde dezenas de pessoas paravam para almoçar no shopping de Jaraguá do Sul na última segunda-feira. Eles estavam à espera dos seus executores, a maioria alunos do Festival de Música de Santa Catarina (Femusc) escalados para os Concertos Sociais, programa que o festival-escola mantém fielmente desde a sua criação. Há menos de três anos, este encontro em uma praça de alimentação era praticamente impossível dada à raridade e fragilidade que restringia harpa e piano ao espaço do teatro do Centro Cultural da Scar. Com as últimas generosas doações de empresários locais, a presença desses instrumentos de grande porte deve ser cada vez mais frequente onde os ouvidos mais improváveis possam estar.

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A mais recente das aquisições com fim de alavancar a música erudita na região é o lote de 20 pianos elétricos que estreia nesta nona edição. Visualmente semelhante aos exemplares acústicos, os elétricos só escapam pelos olhares atentos que podem estranhar o fato de estarem ligados a uma tomada. A diferença está no alcance que os novos instrumentos terão diante do público:

– O Femusc tem essa filosofia de levar a música para qualquer lugar, e é difícil algum ambiente ter um piano. Em anos anteriores, a organização emprestava, mas as apresentações dependiam dessa disponibilidade – lembra a pianista Fany Solter, professora do Femusc desde a primeira edição.

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A Scar conta com 11 pianos acústicos, mas que dificilmente podem sair do prédio do Centro Cultural porque, além de pesados, exigem tratamento especial no transporte, sem contar a afinação necessária a cada deslocamento. O elétrico dispensa os mesmos cuidados e ainda é um ganho pedagógico para o Femusc. Para a professora Fany, a nova aquisição também possibilita que mais alunos possam estudar ao mesmo tempo, cada um com seu fone de ouvido, em uma mesma sala.

A apresentação dos novos instrumentos ocorreu oficialmente na noite de abertura do Femusc, e em grande estilo. Uma orquestra de pianos foi levada ao palco, para executar a Marcha Militar, de Schubert, regida por Ricardo Castro. Cada piano foi manuseado por dois pianistas.

Limites da tecnologia

– O público pode não notar, mas para o pianista é completamente diferente – compara a estudante de piano Julliana Vieira, 20 anos, que nos Concertos Sociais do Festival de Música de Santa Catarina (Femusc) tocou pela primeira vez para uma plateia com um exemplar elétrico. A estreia foi em um shopping de Jaraguá do Sul.

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A aquisição dos 20 pianos digitais não é bem uma troca ou atualização de instrumentos. A sensação de tocar as teclas de um piano acústico é, segundo os músicos da área, por enquanto incomparável, a começar pela própria sonoridade:

– (O elétrico) é um som artificial, não é aquilo que sai de um martelo quando bate na corda e a faz vibrar. Essa é a principal diferença: o piano elétrico não tem a vibração de um acústico. Nenhum pianista vai usá-lo para tocar uma sonata de Beethoven – avalia a professora de piano Fany Solter.

Catedrática na University of Music Karlsruhe, na Alemanha, onde foi reitora de 1984 até 2001, a brasileira recomenda o uso limitado dos eletrônicos, mesmo comemorando o fato do Femusc poder ampliar o alcance do instrumento. Isso porque quem praticamente apenas tem contato com os acústicos, como a recifense Julliana, estreante no festival, o esforço desempenhado nos dois modelos não surte nos mesmos resultados.

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– Não dá para fazer nuances, timbres sonoros, não há a mesma resposta. As teclas são mais leves – compara a estudante.

Pesado como elefante, delicado como borboleta

O afinador de pianos Donizete Bonifácio, assim como a professora Fany, acompanha cada conquista da Scar e do Femusc em relação ao instrumento desde a primeira edição do evento. De exemplares emprestados, ele viu a frota crescer e se tornar hoje uma seleção de 11 bons pianos acústicos, cuidadosamente afinados antes e durante a edição do festival-escola.

Só pelo trabalho desempenhado por Donizete todos os anos em Jaraguá do Sul se percebe que manter os modelos tradicionais exige real empenho da equipe técnica do festival. Cada piano pode levar de uma hora e meia a três horas para ser afinado. O ajuste deve ser feito no mínimo de seis em seis meses, mas para um festival-escola como o Femusc os cuidados devem ser constantes. Três deles ganham ainda mais atenção: são os que participam dos concertos noturnos no grande teatro da Scar.

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– Esses são afinados todos os dias, porque necessitam de muita precisão – garante o profissional com 30 anos de experiência na área.

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Donizete explica que desde o transporte até a mudança de temperatura e umidade podem influenciar no som produzido pelo modelo acústico. É justamente a delicadeza do instrumento que desafia o músico.

– O acústico precisa da pressão certa dos dedos. É um elefante que deve ser tratado como uma borboleta – completa o afinador e amante dos moldes tradicionais que, segundo ele, levam junto a alma do construtor.

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DIFERENÇAS

Piano acústico:

– É construído minuciosamente.

– Tocar nele é algo único, existe todo um mecanismo complexo até que as cordas reajam ao toque.

– Se bem cuidado, um piano pode ser passado de geração para geração.

– Precisa ser afinado no mínimo de seis em seis meses. Se for usado em apresentações, este cuidado deve ser com maior frequência.

– São mais caros. O preço ainda pode subir dependendo da raridade X estado.

– Exige transporte especializado em caso de mudanças.

Piano elétrico:

– Não precisa ser afinado.

– Necessita de energia elétrica.

– Você pode abaixar o volume ou usar fones de ouvido e tocar de noite, de madrugada.

– Tem mais mobilidade. Você pode leva-lo pra onde quiser.

– Tem uma grande variedade de timbres e funcionalidades.

– É mais fácil para fazer gravações com ele.

– Não tem a mesma dinâmica do modelo acústico.

– Há modelos a partir de R$ 1 mil.