Olhete, robalo, ouriço, bucio, anchova. O repertório de chefs que tem como preferência a culinária à base de frutos do mar é extenso e facilmente encontrado no litoral catarinense. Mas além de conhecer as espécies, alguns super cozinheiros gostam, eles mesmos, de capturar a matéria-prima. Um hobby caro, minucioso, mas que rende pratos com um sabor sem igual, garantem.

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De campeão de pesca a sushiman hostilizado. O paulista de Taubaté Emerson Kim, 32 anos, fez o caminho inverso ao da maior parte dos chefs que cultivam o hábito de capturar a comida. Começou como pescador. Aos cinco, era frequentador assíduo de pesque-pague.

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Foi lá que fez amizade com “velhinhos japoneses” e começou a pescar sem parar. Chegou a se sagrar campeão de um torneio e nos momentos de lazer enlouquecia a mãe com a quantidade de peixes que costumava levar para casa:

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– Uma vez cheguei e tinha um monte de amigas dela. Ela doou tudo porque não aguentava mais tanto peixe.

O gosto pela culinária oriental foi um desdobramento natural e depois se tornou um objetivo profissional. Aos 17, Kim aderiu à arte milenar de fazer sushi. O descendente de coreanos lembra com certa graça o preconceito que sofreu ao se tornar discípulo de chefs japoneses.

– Os mais tradicionais perguntavam por que os japoneses estavam me ensinando, já que eu era descendente de coreanos. Há muito preconceito nesse meio, mas eu não ligava. Estava ali para aprender.

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Depois de trabalhar em Ilhabela, em um restaurante que o pagava com alimentação e a hospedagem em uma cadeira de praia, Kim passou por cozinhas japonesas na Alemanha e nos Estados Unidos até chegar ao conceituado Nobu, na unidade de Mykonos, na Grécia.

Há dois anos, voltou para o Brasil e instalou-se em Florianópolis, onde abriu o Black Sheep, um sushi conhecido por apostar em preparos distintos.

Na Ilha, Kim se viu diante de uma imensidão azul repleta de cardumes. Um convite.

Varas de fibra de carbono, molinetes de até R$ 2 mil e barco à disposição. O hobby não é barato, mas compensa. Colegas de profissão que o compartilham, por exemplo, viram companheiros de pescaria.

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O escocês Alexander Gilbert Floyd, 47 anos, costuma acompanhar Kim nas pescarias. Chef há 33 anos e com uma estrela Michelin no currículo, há 12 ele descobriu Florianópolis e hoje assina a gastronomia do Alameda Casa Rosa, espaço exclusivo para eventos. Para ele, pescar ajuda a desestressar da rotina frenética da cozinha.

Os dois chefs transparecem o prazer que experimentam em preparar algo capturado com os próprios anzóis. A qualidade dos peixes, dizem, fica mais garantida.

– Você tem todo um cuidado. No barco de pesca, os peixes são colocados uns sobre os outros, então aquele que está embaixo acaba sofrendo mais.

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PESCARIA DE COZINHEIRO

A equipe da Revista de Verão conseguiu reunir três importantes chefs de Florianópolis. Emerson Kim, Alex Floyd e Nivaldo Souza aceitaram o convite e partilharam o barco para um dia de pescaria.

Assim como Kim e Alex, Nivaldo, que comanda as cozinhas dos disputados Recanto dos Açores e Recanto dos Brunidores, gosta de pescar o que prepara. No caso dele, a pesca é submarina.

– Eu e o Kim estávamos ensaiando uma pescaria já faz tempo, mas nunca deu certo – conta.

Mexilhões e ouriço são a sua preferência. Ele preza por essas verdadeiras riquezas do mar toda vez que enche os pulmões e submerge.

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Claro que, mesmo que um chef pesque constantemente, como Nivaldo, a produção não supre a demanda de um restaurante. De todo modo, a divulgação do fato de que um chef reconhecido pesca itens do menu fascina os clientes.

– Isso também é um marketing, de certa forma – diz Nivaldo.

Mesmo que responsável apenas por parte do cardápio, a pescaria rende iguarias valiosas. No Recanto dos Brunidores, um dos destaques do excelente menu-degustação é o patê de ouriço.

Emerson Kim gosta de trabalhar com o olhete, um peixe branco cujo sashimi prepara com pera trufada e molho cítrico, ou com pimenta biquinho, coentro e molho ponzu. Para Alex, os peixes rendem ceviches, sua aposta de prato para este verão.

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Para ir em busca desse cardápio, cada um deles têm um ritual de saída para o mar. Kim e Alex, que pescam com anzol, levam diferentes varas, molinetes e iscas. Cada item serve para a captura de um tipo de peixe. Como não se sabe o que virá, é preciso estar preparado.

Um protetor térmico usado como uma espécie de lenço no pescoço serve para driblar os efeitos do sol ou do frio e pode ser erguido até a cabeça, ficando como uma balaclava. Alex tem um da Escócia, que supostamente dá azar.

– Ele não pega nada quando usa isso, uma vez tivemos que benzê-lo para conseguir pegar alguma coisa – debocha Kim.

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O sotaque ainda carregado de Alex e suas superstições são uma diversão à parte na viagem. Mulher a bordo dá azar, diz ele, que sempre que lança uma isca virgem ao mar faz questão de beijá-la para que volte com peixe.

Nivaldo é mais econômico no equipamento. Sai de terra firme com a roupa de mergulho, pés de pato e um arpão. Na lancha, carrega uma espécie de gancho usado para tirar ouriços.

O mar no Norte da Ilha, no dia escolhido, porém, não está para peixe. Nem toda a superstição do chef escocês, a paciência do filho de coreanos e o fôlego do catarinense rendem fisgadas. Nivaldo pega alguns ouriços. Apesar da pouca quantidade de carne em relação à carapaça, o bichinho é um dos mais nobres das águas salgadas e faz com que os chefs salivem.

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Nivaldo Souza

Recanto dos Brunidores: Praia dos Ingleses, Canto Sul, s/n, Florianópolis; (48) 9937-3914; facebook.com/recanto.dosbrunidores

Recanto dos Açores: Caminho dos Açores, 1595, Santo Antônio de Lisboa, Florianópolis; (48) 8432-0500

Emerson Kim

Black Sheep: Avenida Beira-Mar Norte, 2746, Centro de Florianópolis; (48) 9189-1005; theroof.com.br/blacksheep/info

Alex Floyd

Alameda Casa Rosa: Rodovia Admar Gonzaga, 3401, Itacorubi, Florianópolis; (48) 3338-2332; alamedacasarosa.com.br; abre exclusivamente para eventos

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JORNADA DUPLA

Depois de adquirir o restaurante Recanto dos Brunidores, Nivaldo dobrou as apostas e abriu o Recanto dos Açores. Agora, ele se locomove 20 quilômetros para se desdobrar entre as duas cozinhas. Como o dono e chef anterior dos Brunidores, Narbal Correa, Nivaldo pratica mergulho e garante parte do cardápio. O tartar, por exemplo, não é feito com um peixe fixo, mas com o melhor daquele dia.

DO PESQUE E PAGUE ÀS GRANDES COZINHAS

A ligação de Emerson Kim com os peixes começou nos complexos pesqueiros aos cinco anos de idade. A prática o levou ao sushi e a grandes restaurantes japoneses de outros países. Em Florianópolis, suas fisgadas vão parar na mesa dos clientes do Black Sheep, no topo do hotel Majestic. O olhete, por exemplo, pode ganhar molho cítrico e pera trufada.

SOTAQUE E SUPERSTIÇÕES

O escocês Alex Floyd foi o cozinheiro europeu mais jovem a ganhar uma estrela no guia Michelin e é sócio-chef da Alameda Casa Rosa há dez anos, mas ainda revela sotaque nativo. Ele beija as iscas sempre que as lança ao mar. Suas pescarias rendem, entre outros preparos, o ceviche, que vê como o prato mais em alta neste verão. Seu menu só pode ser degustado em eventos.

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