Quatro meses após ter o acesso negado pela Corregedoria da UFSC a um procedimento de investigação interno, o chefe de gabinete da reitoria da universidade, Áureo Moraes, assume administrativamente o órgão de controle. Ele fica no órgão até 5 de janeiro, data prevista para retorno do corregedor-geral Rodolfo Hickel do Prado, que está de licença médica.
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O memorando assinado por Luiz Carlos Cancellier, em 19 de julho deste ano, foi utilizado no reforço do pedido da Polícia Federal (PF) para prender temporariamente o então reitor da universidade, pedido aceito pela Justiça e cumprido na deflagração da operação Ouvidos Moucos, em setembro.
A substituição foi formalizada em reunião do Conselho Universitário (CUn) em 13 de novembro e contou com o aval da Procuradoria Federal junto à UFSC e da Superintendência catarinense da Controladoria-Geral da União (CGU). No final de semana, alguns departamentos receberam o resumo da ata da reunião e, entre os tópicos, estava a escolha do servidor da reitoria.
— Na semana passada, houve uma reunião da reitoria com o procurador Federal da UFSC, Juliano Rossi, e o superintendente da CGU em SC, Orlando Vieira de Castro Júnior, sobre a chefia de gabinete assumir a Corregedoria. A competência é concorrente e isso foi ponto pacífico nessa reunião. Nesta segunda-feira, vou me reunir com a equipe da Corregedoria para tomar pé dos processos que estão tramitando e quais são as pendências — afirma Áureo.
Entre os procedimentos que tramitaram no órgão está o aberto pelo corregedor-geral Rodolfo Hicke do Prado, afastado desde o começo do mês por motivos médicos, relacionado à suspeita de desvio de verbas do programa de ensino a distância (EaD) na instituição, fato que também gerou uma investigação da PF que resultou na operação Ouvidos Moucos. Em entrevista concedida ao DC no mês passado, Rodolfo afirmou que Áureo, seu atual substituto, seria citado no procedimento investigatório e foi um dos servidores que o corregedor-geral pediu afastamento.
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Questionado sobre essa situação, Áureo disse que “não é investigado”, apesar de afirmar que não viu os autos do procedimento que envolve o EaD. Sobre a declaração do corregedor-geral afastado, ele afirmou que Rodolfo “vai responder na Justiça por essa falsa afirmação”.
Desde a sua criação, em dezembro de 2016, o procedimento que investiga supostos desvios de recursos no EaD esteve sobre sigilo. Desde outubro, o documento classificado ainda como uma “investigação preliminar” está sob a responsabilidade da CGU, em Brasília. Portanto, o procedimento não está mais na Corregedoria da universidade. De acordo com o superintendente regional da CGU, Orlando Vieira de Castro Júnior, isso ocorreu posteriormente com outros procedimentos abertos na universidade.
— A reunião que se conversou sobre a situação atual da Corregedoria foi para tratar principalmente dos procedimentos relacionados aos médicos do Hospital Universitário e também sobre a denúncia contra o corregedor-geral Rodolfo, ambas ficarão sob a responsabilidade da CGU. Desde o mês passado, quando a professora Alacoque Erdmann ainda era reitora, o procedimento do EaD foi avocado pela CGU para garantir uma investigação isenta — explica Orlando.
Investigação sobre desvios no EaD está na CGU em Brasília
Mesmo com o procedimento estando em Brasília, o superintendente reconhece que não há como garantir que não haja uma cópia dos autos para acesso na Corregedoria da universidade. Além disso, Orlando informou que, a pedido da ex-reitora Alacoque Erdmann, a CGU vai realizar um auditoria de inspeção correicional para avaliar a atuação da Corregedoria da UFSC.
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No começo de novembro, após assumiu a reitoria interinamente, Ubaldo Balthazar citou que chamaria de volta dois ex-integrantes da Corregedoria da universidade, que originalmente contava com três pessoas. A reportagem procurou os ex-corregedores Ronaldo David Viana Barbosa e Marcelo Aldair de Souza. Ronaldo, que atualmente trabalha na Procuradoria da universidade, confirmou que foi procurado via e-mail e que respondeu positivamente sobre o convite de retorno para o que chama de um trabalho “técnico e independente”. Marcelo é corregedor no Instituto Federal Catarinense (IFC) e também confirmou o contato por e-mail da reitoria. Ele diz que não vai reassumir o cargo de corregedor na UFSC, mas que respondeu que está à disposição para colaborar de outras formas.
A reportagem tentou contato com o corregedor-geral afastado Rodolfo Hickel do Prado, mas não obteve retorno até a conclusão desta matéria.
Avocação de procedimento resultou em suspeita de obstrução de investigação
Em 19 de julho, Luiz Carlos Cancellier, então reitor da UFSC, assinou um memorando avocando o processo sobre o EaD para o gabinete do reitor. No documento, Cancellier justifica que seu chefe de gabinete, Áureo de Moraes, teria “competência concorrente” com o corregedor-geral. O então reitor cita ainda que um atraso na investigação do procedimento estaria afetando o programa EaD na universidade. No mesmo dia, Rodolfo compartilhou o documento para a PF, e a delegada Érika Malena encaminhou cópia do memorando do reitor para a Justiça Federal, reforçando o pedido de prisão temporária de Cancellier por obstrução de investigação.
Um dia depois, a delegada da PF volta a encaminhar documentos para a Justiça Federal, um posicionamento da CGU sobre a avoação do procedimento pelo reitor. No posicionamento, a CGU informa que “causa estranheza o fato da reitoria avocar um procedimento correicional específico”. Érika Malena novamente reforça o pedido de prisão temporária e afastamento de Cancellier:
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“Conforme corroborado em entendimento da própria CGU, a atitude de avocação da investigação administrativa pelo Reitor, tirando-a do âmbito da Corregedoria da universidade, é de fato medida heterodoxa e que demonstra a preocupação dos investigados com o andamento do caso, razão pela qual se reveste ainda de maior urgência as medidas já pleiteadas a esse d. Juízo.”
No dia 14 de setembro, Cancellier e outras seis pessoas foram presas temporariamente na operação Ouvidos Moucos. A juíza Janaína Cassol, da 1ª Vara Criminal de Florianópolis, atendeu ao pedido da PF de suspeita de obstrução de investigação do então reitor com base no documento de avocação do procedimento de desvios no EaD. Todos foram soltos no dia seguinte, mas permaneceram afastados de seus cargos na universidade. No dia 2 de outubro, Luiz Carlos Cancellier foi encontrado morto em um shopping de Florianópolis após cometer suicídio.