Cinco campeonatos catarinenses, sendo o mais recente conquistado de forma inconteste nesta temporada. Os seguidos acessos, da Série D até a elite do futebol brasileiro, patamar mantido sem correr riscos. A primeira partida oficial internacional, em 2015. A classificação heroica para a decisão de um torneio continental. Em 43 anos de atividade, o momento mais feliz da Chapecoense foi mudando à medida que o time acumulava façanhas. O dia mais triste, porém, talvez nunca seja superado pelo 29 de novembro de 2016, quando caiu o avião que transportava a delegação do clube para a final da Copa Sul-Americana. Das 77 pessoas a bordo (68 passageiros e nove tripulantes), 71 morreram — incluindo atletas, integrantes da diretoria, jornalistas e convidados.
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O Verdão do Oeste ia para a cidade colombiana de Medellín, onde enfrentaria o Atlético Nacional. O jogo de volta ocorreria na próxima quarta-feira, em Curitiba. Credenciar-se à disputa da taça — proeza inédita para um time catarinense — já era uma vitória. A vaga havia sido obtida eliminando adversários de maior tradição e orçamento. Faltavam apenas 180 minutos para a Chapecoense acrescentar um outro dia à lista dos mais felizes para o seu torcedor. A queda, a 36 quilômetros de seu destino, interrompeu uma trajetória que poderia culminar com o único título internacional vencido por uma equipe brasileira neste ano. Mas não a admiração e o carinho que todo o país aprendeu a sentir pelo time que se tornou inspiração para os pequenos, referência para os médios e ameaça para os grandes.
Com bravura, muita raça e fervor
Até chamar a atenção do mundo do esporte pelos resultados dentro e fora do campo, o clube trilhou um caminho irregular. Sua criação remonta a 1973, com o esforço de fundadores como Alvadir Pelisser, Altair Zanella, Lotário Immich e Vicente Delai para reavivar o futebol em Chapecó, suspenso desde que os escretes locais do Independente, Atlético, Comercial, Guairacá e Operário haviam desaparecido. Nascia aí a Associação Chapecoense de Futebol, uma agremiação que, sem dinheiro nem campo, tinha na garra o seu maior patrimônio.
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No ano seguinte, o time estreou no Campeonato Catarinense ainda mandando seus jogos na vizinha Xaxim. A primeira faixa no peito veio no Estadual de 1977, já no recém-construído estádio Índio Condá (atual Arena Condá), contra o Avaí. Em uma amostra de que nenhum visitante teria vida fácil no Oeste, o Leão da Ilha foi recepcionado com uma faixa o chamando de ¿persona non grata¿. No intervalo, os avaianos só conseguiram entrar no vestiário sob proteção policial, tamanha a chuva de objetos atirados da arquibancada.
O título trouxe a classificação para o Brasileirão (a Série A de então) de 1978, no qual a Chapecoense ficou na 51ª posição entre 74 participantes. Em 1979, conseguiu ficar em penúltimo entre 94 concorrentes na competição nacional. Como na época os catarinenses só entravam para fazer figuração, as colocações foram irrelevantes. O que importava mesmo era o cenário estadual, onde, mesmo com o domínio de Joinville e Criciúma, a Chapecoense se consolidava. Senão como real pretendente ao título, como força que deveria ser respeitada.
Leva consigo o coração de uma cidade
O jejum acabaria em 1996, em uma decisão para lá de polêmica com o Joinville. O Tricolor havia vencido o primeiro turno. Se ganhasse por dois gols o último jogo em seu estádio, contra a Chapecoense, conquistaria também o returno e seria campeão antecipado. Do contrário, o Verdão iria para a final. Os 3 a 2 do JEC, com direito a gol dos anfitriões anulado aos 56 minutos do segundo tempo, forçaram uma decisão entre as duas equipes. Na primeira partida, deu Joinville por 2 a 0. Ficou tudo para ser resolvido no Índio Condá.
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Na véspera da contenda, a delegação joinvilense não pregou o olho por causa do foguetório na rua do hotel. Pela manhã, o presidente do clube ordenou que todos os jogadores voltassem à sua cidade. Com a desistência, Chapecó explodiu em festa pelo título. O Joinville, contudo, foi aos tribunais e conseguiu que o jogo fosse remarcado. A Chapecoense precisava vencer nos 90 minutos regulamentares para obrigar a realização de uma prorrogação. O gol salvador saiu aos 40 da etapa complementar. E, a dois minutos do término do tempo extra, Gilmar Fontana acertou um petardo indefensável na meta de Sílvio: Chapecoense bicampeã catarinense.
Demorou mais nove anos para o Verdão reinar no Estado novamente. O adversário seria o Criciúma, contra quem havia amargado o vice em 1991 e 1995. O time do Oeste derrubou o tabu com uma vitória mínima em casa e segurou o empate em 2 a 2 no Heriberto Hülse. Era o terceiro título da Chapecoense, o primeiro fora de Chapecó. O que ninguém imaginava era que o clube levaria o nome da cidade para cada vez mais longe.
Glorioso verde que se expande
A Chapecoense que hoje é exaltada como modelo de gestão quase afundou-se em dívidas em 2003. A solução foi fazer um acordo com o Kindermann (ex-Caçadorense) e mudar sua pessoa jurídica para Chapecoense Kindermann/Mastervet. A parceria durou apenas um ano, o suficiente para o Verdão limpar o nome e começar vida nova. Veio o título catarinense em 2007, a promoção da Série D para a C em 2009 e tudo indicava um futuro promissor para o clube – não fosse pelo rebaixamento no Estadual de 2010.
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A equipe do Oeste só se livrou de disputar a segunda divisão catarinense em 2011 porque o Atlético de Ibirama pediu licença do campeonato, abrindo espaço para sua permanência. A Chapecoense aproveitou a chance e calou a boca dos críticos conquistando o quarto título na competição e subindo para a Série B nacional. A escalada continuou em 2013, com a ascensão para a Série A, condição que preservou a despeito dos prognósticos desfavoráveis.
Nove entre dez comentaristas esportivos apontavam a Chapecoense como eterna candidata ao descenso. Pois o time não somente contrariou as previsões como passou a fazer campanhas gradativamente melhores, a ponto de se habilitar para a Sul-americana de 2015. A eliminação nas quartas de final diante do gigante argentino River Plate parecia o máximo que o Verdão poderia almejar. Mas o clube sonhava com mais. E, qual um Davi contra os Golias nacionais e continentais, foi batendo rivais muito maiores na mesma proporção em que se transformava em sensação no cenário do futebol.
Para os estrangeiros, virou o ¿Leicester brasileiro¿, em alusão ao pequeno clube inglês que venceu a Premier League. Para os brasileiros, o segundo time para o qual todos torcem. Para os catarinenses, o temido Verdão, atual campeão estadual. E, para os chapecoenses, motivo para aposentar o azul do Grêmio e o vermelho do Internacional (as torcidas predominantes na região) e envergar o manto verde. Não será a tragédia ocorrida na Colômbia que irá acabar com essa história que surgiu em uma cidade, espalhou-se por um Estado, surpreendeu um país e, de hoje em diante, sempre comoverá o mundo.
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Os versos que dividem este texto foram extraídos do Hino da Chapecoense.