Caravana Sereia Bloom, o novo disco da paulistana Céu, viaja de São Paulo ao Caribe. No caminho, acaba por revelar que muitos ritmos populares brasileiros são mais universais do que se imagina.
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Maria do Céu Whitaker Poças, a Céu, é – também – uma cantora de MPB. Desde seu primeiro trabalho, de 2005, já era evidente a influência de samba, sofisticada por arranjos e dissonâncias de jazz, e produção antenada à música eletrônica. O álbum seguinte, Vagarosa, intensificou essa última característica e mergulhou no dub – gênero jamaicano surgido na década de 1960, em que são proeminentes o baixo e a bateria.
A inclinação ao não óbvio destacou Céu das demais “novas cantoras” brasileiras. Ela escapa de comparações preguiçosas porque busca em referências estrangeiras o que já não pode encontrar no seio da própria MPB. Caravana Sereia Bloom marca a culminância desse movimento. Coproduzido pela artista e o marido, o compositor Gui Amabis, o disco traz participações de músicos diversos, com a premissa de ajudarem-na em uma “procura pela origem dos ritmos latinos e caribenhos”, como ela define.
– Mas todo o processo de criação é meu e de mais ninguém – explica Céu, em entrevista por telefone.
A abertura jovem-guardiana Falta de Ar, com a guitarra hipnótica de Fernando Catatau, já entrega que, mesmo quando passeia por gêneros tradicionais, Céu o faz com o frescor de sua voz e dos músicos de apoio. O time que a auxilia no passeio por cúmbia, samba antigo (na bela regravação de Palhaço, de Nelson Cavaquinho) e música jamaicana – entre eles, a Nação Zumbi – é formado por entusiastas da mistura de tradição e modernidade, como ela.
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Rumo à América Central, a viagem imaginária de Céu faz paradas em pontos improváveis, como a lambada e a música brega (Baile de Ilusão).
– Acho bobagem carregar esses ritmos negativamente. São muito simples, bonitos e brasileiros, e têm uma familiaridade enorme com as outras culturas latinas – afirma.
A turma da Nação Zumbi embarca com gosto na viagem: no ska de Asfalto e Sal; na faixa Chegar em Mim, escrita pelo vocalista Jorge Du Peixe, e em Contravento, composição de Amabis e Lucas Santtana, cujos primeiros acordes de teclado remetem com força à canção Tropicália. Céu endossa a comparação:
– O que fazemos tem muito em comum com o Tropicalismo, então achamos ótimo.
Ao buscar um formato que solucione seus sentimentos sem o comodismo de receitas prontas, Céu mostra que pode ocupar o espaço ainda vago – por mais que se tenham revelado várias candidatas a ocupá-lo – para compositoras inventivas e talentosas. Com Caravana Sereia Bloom, o posto se torna um pouco mais dela.
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Entrevista: “O brega tem uma riqueza enorme”
Zero Hora – Em Asfalto e Sal, tu cantas sobre refrescar e abastecer as memórias. Como essas coisas se relacionam pra ti?
Céu – Asfalto e Sal fala disso mesmo, de sair, eu vou viajar, mas levo comigo as coisas que de fato me são importantes e me abastecem o coração, o combustível para poder ir. Porque não é fácil ir, também (risos). Pegar a estrada requer uma série de questões supercomplexas de serem resolvidas, cada dia é muito diferente do outro. É uma quebra de rotina superintensa, são desafios que vão surgindo. Mas quando a gente tem uma coisa importante no coração, isso dá motivo e combustível pra a gente ir de peito aberto.
ZH – E como você decide que gêneros cruzar na tua música?
Céu – Esse disco é diferente dos outros, que eu ia fazendo e definindo no processo. Como ele traz uma estética específica e muita influência de música latina, caribenha, brasileira, eu vi que tinha uma geografia, uma história que eu queria contar. Ele sai de São Paulo e vai subindo até o Caribe. E eu quis trazer referências ligadas à isso. Então você vai ver que tem cúmbia, tem brega, tem ska.
ZH – Wando, por exemplo, morreu renegando o rótulo brega. O que você descobriu em suas pesquisas sobre o gênero?
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Céu – Acho que o brega tem uma riqueza enorme. Acho bobagem carregá-lo de sentido ruim. É muito simples, bonito e brasileiro. Acho engraçado, eu estava refletindo sobre isso. Hoje em dia eu viajo bastante, mas por muito tempo, só conhecia Nova York, porque morei lá quando menina. E quanto mais eu viajo, mais eu vejo a riqueza do Brasil. A música brasileira não é só bossa, samba. Também é brega, é Norte, é Nordeste. E tem uma familiaridade enorme com essas outras culturas. Eu fiz o disco interessada nas origens dos ritmos latinos.
ZH – A participação de Catatau em Falta de Ar é fundamental para que a música soe como soa. Existe essa dependência de colaborações para que certas ideias sejam viáveis?
Céu – Todo o processo de criação é muito meu, meu e de mais ninguém. É uma pedra bruta. Quando chego para trabalhar com o Catatau, por exemplo, já está tudo muito maturado. Mas respeito demais a galera que eu convido pra tocar comigo. O Catatau é muito marcante. Na primeira nota que ele toca, você já sabe que é ele ali.
ZH – Desde Vagarosa, tu te aproximaste bastante da música jamaicana. O que te atrai nessa cultura?
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Céu – Tem muito da assimilação da África com a latinidade. Esses gêneros falam sobre a gente viver com o que a gente tem. É necessário muita criatividade para fazer isso legal. Acho muito legal a aparelhagem, o soundsystem, você piratear o próprio show. É diferente do padrão e, ao mesmo tempo, aponta uma falha do padrão. Música brasileira, caribenha, jamaicana, todas têm muito disso.
ZH – No início de Contravento, fica marcante a referência do Tropicalismo. Foi intencional?
Céu – Ela tem mesmo a coisa meio Tropicália. Lembro que quando acabamos de gravar, a gente percebeu isso. E o que fizemos tem muito em comum com o Tropicalismo, mesmo, então acho ótimo.
ZH – Em Retrovisor, que é uma música tua, uma virada aos 30 segundos deixa a música melancólica, sugerindo um olhar para o passado, com nostalgia.
Céu – Minha música é misturada com a minha vida, é como se fosse um diário de bordo. As coisas vão acontecendo e eu vou escrevendo. Eu tenho essa relação de por na ponta da caneta o que me faz sentido no momento. No caso do Caravana, são contos, causos, situações específicas e imagéticas. Retrovisor é bem a imagem do clipe, tem uma coisa de karaokê. Eu vivi essa personagem que tem uma desilusão e quer contar isso. Como o Caravana tem essa linguagem cinematográfica, eu quis ser um pouco essa personagem. E acho que a estrada traz muito isso, contos e causos comuns a todos.
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Assista ao clipe de Retrovisor
> Guia de viagem para a Caravana Sereia Bloom
Céu recomenda alguns caminhos para quem quiser segui-la nessa viagem.
Mestre Vieira
Se for ver a origem da lambada, vai deparar com Mestre Vieira, que tem um disco que é uma obra prima, chamado Lambada das Quebradas. É coisa de virtuoso.
Diana
Ela é uma cantora do romântico total. E é lindo demais.
Cidadão Instigado
Acho que o Cidadão é muito importante (nisso de trazer a música do Norte e Nordeste). Admiro muito o Catatau.
Alípio Martins
Ouvi bastante ultimamente, é muito legal.
Forrobrega.com.br
É uma estação de rádio de brega e forró, eles têm uns podcasts em que dá pra conhecer coisas incríves.