A vendedora Jennifer Célia Henrique, 37 anos, morta a pauladas nos Ingleses no final da semana foi sepultada na manhã deste sábado, 11, no cemitério do Santinho, no Norte da Ilha de Santa Catarina. Depois do enterro, familiares, amigos e moradores do bairro de Florianópolis seguiram para um protesto na SC-403, exatamente em frente a um prédio abandonado onde o corpo da mulher transexual foi encontrado. Além de caracterizarem a transfobia (preconceito contra pessoas trans) como a motivação do assassinato, os cerca de 70 participantes pedem Justiça e mais segurança na região.

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Joice da Rosa Silveira ainda estava inconformada com a morte da amiga. Ela lembra que Jenni, como a mulher era conhecida, era querida por todos. Exatamente por esse motivo, nem mesmo as pessoas mais próximas dela possuem suspeito para o crime.

— Não existia pessoa ruim para a Jenni. Ela cumprimentava com beijo todos que via na rua. Então ela não tinha medo, porque conhecia todo mundo — diz, ainda bastante emocionada.

Conforme o jornal Hora de Santa Catarina, Jennifer havia registrado dois boletins de ocorrência em delegacias de polícia da capital, onde relatava ter sido vítima de injúria, homofobia e agressão. A reportagem ainda afirma que o delegado especializado em Homicídios, Ênio de Mattos, sequer se referia à Jennifer como mulher, afirmando repetidas vezes tratar-se de um homem.

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Na condição de pessoa trans, Vulcânica, 23 anos, que também participou do protesto, reforça a importância de tratar o caso como uma morte ocasionada por transfobia.

— A nossa vivência é sempre desconfigurada, descaracterizada pelos outros. Nós existimos. Somos pessoas trans, sofremos transfobia e estamos morrendo todos os dias — afirma.

Vulcânica segurando o cartaz que lembra as mortes na capital somente em 2017
Vulcânica segurando o cartaz que lembra as mortes na capital somente em 2017 (Foto: Leo Munhoz / Agencia RBS)

Uma das organizadoras da manifestação, a ativista Selma Light acrescenta que, desde o Carnaval, oito pessoas trans foram mortas no Brasil. Ela lamenta a desproteção enfrentada pela população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgênero (LGBTTT).

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— O que mais dói é a atitude da Justiça. O delegado falando essa atrocidades [que a motivação do assassinato da transexual “foi uma transa mal acertada”, conforme revelou o Hora], negando o crime por ser prostituta, transexual ou por estar em local perigoso. É inadmissível que ele justifique o crime. Nós estamos desprotegidas, porque a transfobia é mascarada em outros crimes e não há punição — lamenta.

Selma Light conduziu a manifestação
Selma Light conduziu a manifestação (Foto: Leo Munhoz / Agencia RBS)

Para pressionar a investigação policial e decorrente punição, os manifestantes seguiram até a 8ª Delegacia de Polícia Civil. A impunidade também foi lembrada pelo vereador de Florianópolis Tiago Silva (PMDB), que mencionou os mais de 25 anos do caso Norton como exemplo para ilustrar a falta de uma lei que criminalize o as fobias de gênero e de sexualidade.

— Nós precisamos de uma fundamentação para mudar esse contexto de ódio, que só aumenta, a exemplo da Lei Maria da Penha e do Estatuto da Criança e do Adolescente — defende.

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Especialista em gênero e diversidade na escola, Aparecida Takigawa também cobrou esclarecimentos sobre o assassinato.

— A imputabilidade nesse caso é um crime de Estado. Não podemos silenciar.

Participantes garantiram de reafirmar a transfobia envolvida no crime
Participantes garantiram de reafirmar a transfobia envolvida no crime (Foto: Leo Munhoz / Agencia RBS)

Moradores também pedem mais segurança

A Associação em Defesa dos Direitos Humanos com Enfoque na Sexualidade (Adeh), o LGBT Florianópolis e o Coletivo Margens, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), participaram da manifestação, que também contou com a presença de moradores locais. Vilma Gomes Pinho questionou a situação da construção onde o corpo de Jennifer foi encontrado pela Polícia.

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— Moro há mais de 13 anos aqui e esse prédio sempre esteve desativado. Podiam ter construído até uma UPA [Unidade de Pronto Atendimento] ali, mas a insegurança em torno só aumenta — relata.

Quem era Jenni

Nas redes sociais, onde a morte de Jenni tem enorme repercussão, amigos e familiares da vítima afirmam que o assassinato teve motivações preconceituosas, intolerantes e de transfobia.

Ela tinha forte atuação em movimentos de causas de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT), além de ser muito conhecida em Ingleses e Santinho, onde morava com seus pais. Jenni trabalhava como revendedora de uma marca de cosméticos.

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Um dos principais nomes do movimento LGBT e trans do país, o cartunista Laerte Coutinho publicou em seu Facebook sobre a morte de Jenni: “Assassinam. Nos assassinam”.