As dores e dificuldades enfrentadas pelo homem perseguido, torturado e morto por desafiar a ordem vigente e lutar por justiça social foram acompanhadas pelos católicos na tradicional Via-Sacra, na manhã desta sexta-feira (19) Santa. A peregrinação, que simboliza os momentos vivenciados por Jesus até o sepultamento, reuniu aproximadamente 300 pessoas que percorreram a Avenida do Antão até o alto do Morro da Cruz, na Ilha.
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Os fiéis foram acompanhados de uma encenação que recordou os momentos finais da vida de Jesus, nos quais ele é torturado pelos soldados romanos e levado à crucificação. O caminho teve parada em 14 estações, que simbolizam as cenas da Paixão de Cristo, e terminou com o sepultamento de Jesus.

O trajeto é acompanhado há pelo menos 10 anos pelo casal Maria José Ilário, de 74 anos, e Manoel Ilário, de 76 anos, e a filha Ana Luísa Ilário, de 51 anos, fiéis da paróquia São Luís, localizada no bairro Agronômica. Mas neste ano a celebração ganhou um novo sentido para a família.
Seu Manoel se curou de um câncer recentemente e agora ele, a esposa e filha fazem a caminhada também como uma forma de gratidão pela graça recebida.
— Queremos agradecer pela cura, pela vida dele [seu Manoel], dos netos, de toda família. É um momento de fé — diz Maria José.
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Sensação compartilhada também por Lucas Duarte, de 20 anos, que fez a peregrinação ao lado de seus dois sobrinhos, José Arthur Vargas, de 17 anos, e Nicolas de Lima, de 13. Lucas conta que desde criança participa da celebração católica com a família.
Mas, apesar de a Via-Sacra ser algo habitual para ele na época de Páscoa, ela proporciona uma nova experiência a cada ano.
— É a renovação do espírito, um sentimento que se revigora — afirma.
Além da paróquia da Agronômica, estiveram presentes também moradores das comunidades do Morro do Horácio, Morro da Penitenciária, Caieira, Monte Serrat, Mocotó, Morro do 25, Nova Trento, Santa Vitória, Morro do Céu, Morro da Marinha e das paróquias da Prainha, da Trindade e do Saco dos Limões.
Fraternidade e políticas públicas
O tema da campanha da fraternidade deste ano também foi lembrado na celebração, por meio de uma carta intitulada “Fraternidade e Políticas Públicas”, mesmo nome da campanha, assinada pelo Grupo Oscar Romero, do Mont Serrat, e entregue aos participantes.
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“Neste dias em que revivemos a paixão, morte e ressurreição de Jesus, queremos refletir sobre os tempos difíceis, de medo e angústia, isolamento e incertezas que estamos vivendo”, diz a carta. Palavras também reafirmadas pelo padre Vilson Groh.
— A carta é um convite, não uma imposição. Cristo nunca impôs, sempre convidou. É para busquemos sempre transformar a sociedade em um grande jardim de direitos, deveres, práticas do bem comum. Quando não existe caminho digno, aparecem outros caminhos. Lutar por uma cidade sem violência, sem truculência. Não devemos nos tornar reféns da presença da polícia, de uma violência estrutural motivada pela falta de direitos. Devemos lutar pelo direito ao pão, ao teto, ao trabalho. Lembremos sempre do nosso mestre [Jesus]. Não seguimos ideologias, seguimos a palavra dele. Se a gente lesse as mensagens de Deus como lemos as mensagens do Whatsapp, faríamos uma revolução no mundo — disse na celebração.

Período de reflexão que também foi lembrado por moradores da ocupação Marielle Franco — localizada no Maciço do Morro da Cruz — participantes da Via-Sacra, que estiveram presente em busca do mesmo respeito aos direitos humanos que levou Cristo a ser crucificado.
Com a faixa “Segurança pública: só com direitos respeitados”, além de rememorar o momento da crucificação de Cristo, eles aproveitaram o ato para pedir que a violência praticada na época contra Jesus não se repita contra os moradores das comunidades periféricas nos dias de hoje.
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É o que conta Adriana Carla, que trabalha como vigilante, mas no momento está desempregada. Ela relata que frequentemente os moradores são taxados de criminosos e hostilizados.
— Somos trabalhadores em busca de uma oportunidade, as pessoas não devem julgar sem saber. Nós só queremos respeito e paz, lutamos pelo fim da repressão nas comunidades — diz.
Há três anos ela e o filho Brayan, de 8 anos, moram na ocupação. Vieram de São José, onde moravam de aluguel, em busca de um oportunidade. Além do desemprego, Adriana conta que veio a Florianópolis por conta do filho, que tem deficiência intelectual moderada e Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH).
— Aqui tem mais estrutura, mais condições, por isso foi possível dar um tratamento mais adequado para o Brayan — explica.
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Além de um local para morar, Adriana conta que encontrou na ocupação também um meio de luta por mais direitos.
— Não temos saneamento nem comprovante de residência, o que dificulta também a busca por emprego. Nós só queremos ter nossos direitos respeitados — pede.
Espetáculo sobre a Paixão de Cristo ocorre nesta sexta
Nesta sexta-feira Santa (19), o Teatro Ademir Rosa no Centro Integrado de Cultura (CIC), na Ilha, será palco da 27ª edição da encenação sobre a Paixão de Cristo. Com um elenco de 70 jovens atores amadores e voluntários, além de 15 cantores, 30 profissionais e 15 técnicos, a peça encena episódios marcantes da vida de Jesus. A exibição está prevista para ocorrer em dois horários: às 17h30min e às 20h30min.
O roteiro foi redigido por membros do movimento, com supervisão do padre Vitor Galdino Feller. O ingresso custa R$ 20 e pode ser comprado pelo Blueticket, site do Emaús ou nas bilheterias dos teatros do CIC, Álvaro de Carvalho (TAC) e Pedro Ivo.
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A organização também pede que seja levado um quilo de alimento não perecível, que serão destinados a instituições carentes da cidade.