Ainda assombrado pelos fantasmas do passado, o terreno que, um dia, abrigou o mais controverso centro de internação de adolescentes infratores de Santa Catarina ressurge aos olhos da sociedade com uma nova – e inovadora – proposta. O novo prédio que aos poucos se ergue lá, em Barreiros, São José, promete apagar a velha realidade e fazer com que o Estado tenha um centro socioeducativo que, de fato, consiga ressocializar os jovens infratores catarinenses.
Continua depois da publicidade
Em construção há quase um mês, a estrutura ainda nem saiu do chão e já nasceu com incontáveis desafios. O principal deles, porém, ninguém contesta: em nada deve se parecer com o antigo São Lucas. A começar pelo nome. Agora, ele irá se chamar Centro de Atendimento Socioeducativo (Case). Especialistas no assunto, inclusive, evitam chamá-lo pelo inevitável “antigo São Lucas”. Fazer referência a um lugar como aquele só faz retroceder o prédio moderno que será construído ali.
– O antigo acabou, já foi destruído, não existe mais. Não podemos confundir o novo com um modelo absolutamente inadequado, que só traz lembranças negativas – afirma o coordenador do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), ligado à Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Cláudio Augusto Vieira da Silva.
O método aplicado no Case também será diferente. Vai do criticado punitivo e repressivo para as promissoras ações socioeducativas. O projeto arquitetônico foi baseado nesta estratégia. O prédio é quase três vezes maior do que o anterior: passa dos antigos três mil metros quadrados para 8,4 mil metros quadrados de área construída. As galerias e os antigos corredores escuros, por onde se acumulavam restos de comida estragada, animais mortos, esgoto a céu aberto e sanitários entupidos, darão lugar a alojamentos com cama, armário e banheiro, com, no máximo, três internos em cada quarto. As paredes descascadas pela infiltração e pelo mofo que escondiam denúncias de tortura e suicídios mal explicados, devem ganhar uma cor mais alegre – vermelha – que é para mostrar que os fantasmas do passado ficaram mesmo para trás.
Continua depois da publicidade
::Em sintonia com as normas do Sinase
Haverá ainda escola, salas multiuso para a realização de oficinas, teatro de arena, campo de futebol, quadras poliesportivas, ginásio, quiosques de humanização, capelinha e horta – tudo conforme as normas instituídas pelo Sinase. O complexo também leva em conta a segurança das mães dos internos, que, no antigo prédio, ficavam expostas ao sol e à chuva. Agora, terão quiosques especialmente construídos para conviver com os filhos.
Aprovado pelo Sinase, o novo método se insere na crença de que adolescentes criminosos podem, um dia, se reintegrar à sociedade. Por isso, cada interno terá seu Plano Individual de Atendimento (PIA), construído junto com a família e uma equipe técnica, que irá ajudá-lo a traçar um novo rumo para sua vida – estudando suas condições de vida e os motivos que o levaram a se envolver no mundo do crime.
– O novo sistema enxerga o adolescente como alguém que ainda pode ser salvo por outros meios educativos que não, meramente, o encarceramento e a reclusão – explica Cláudio.
Continua depois da publicidade
A obra ainda é muito recente: o terreno recém está sendo terraplanado em Barreiros, mas as estacas já estão de pé. O prazo de conclusão é de um ano. E segundo o adjunto da Secretaria de Justiça e Cidadania (SJC), Sady Beck Junior, não haverá atrasos: o convênio assinado com o governo federal – financiador de metade do valor investido ali – encerra em fevereiro de 2014.
– A previsão do projeto inicial era concluir a obra em 18 meses. Mas tivemos que antecipá-la justamente para não haver problemas. Isso significa que o novo Case será concluído, sim, na data certa. Daqui um mês já teremos as paredes levantadas.
::O passado
Centro Educacional São Lucas
– Capacidade: 75 adolescentes
– Local: Bairro Barreiros, São José, na Grande Florianópolis – Prédio: 3,1 mil metros quadrados de área construída, divididos em cinco galerias.
Continua depois da publicidade
– Método: punitivo e repressivo
– Como era: as celas eram individuais e fechadas durante o período noturno, com apenas uma cama de concreto e uma lâmpada cada. A ausência de banheiros obrigava os internos a fazerem as suas necessidades em garrafas pet ou sacolas plásticas. Os espaços internos eram totalmente cobertos, sem iluminação solar – o que fazia com que alguns adolescentes contraíssem doenças de pele, como dermatite, em decorrência da pouca exposição à luz solar.
– A Toca: fora o local insalubre do prédio, os internos frequentemente relatavam que eram torturados em um galpão conhecido como “toca”. O depósito foi identificado pela Justiça. As denúncias de tortura estão sendo investigadas pelo sistema judiciário.
::Veja como será o novo prédio para ressocialização de menores infratores
https://zoom.it/T4nw.js
::O futuro
Centro de Atendimento Socioeducativo (Case)
– Capacidade: 90 adolescentes, no total (70 para internação e 20 em internação provisória)
– Local: Bairro Barreiros, São José, na Grande Florianópolis
– Prédio: 8,4 mil metros quadrados de área construída, divididos em sete alojamentos – Método: aposta nas ações socioeducativas, com a elaboração de um Plano Individual de Atendimento (PIA) personalizado, feito em conjunto pelos técnicos, adolescente e família
Continua depois da publicidade
– Como vai ser: terá alojamentos com cama, banheiro e pátio, espaços verdes e abertos, preenchidos com grama, plantas e árvores de várias espécies, salas multiuso para a realização de oficinas, escola, ginásio, teatro de arena, campo de futebol, quadras poliesportivas, quiosques de humanização, capela e horta.
– Custo da obra: R$ 11,5 milhões, que serão divididos pelo governo federal e estadual.
Fonte: Departamento de Administração Socioeducativo (Dease) e Secretaria do Estado da Justiça e Cidadania
::O que vem pela frente
Case de Joinville
A obra do novo Case já está quase pronta e deve ser inaugurada até metade do ano. A estrutura já está de pé e finalizada, faltando apenas os retoques finais. Depois de pronto, serão 70 novas vagas: 50 para internação definitiva e 20 para internação provisória.
Continua depois da publicidade
Case de Chapecó
Depois de Joinville e Florianópolis, o próximo Case do Estado será em Chapecó. A área já está escolhida – será ao lado do centro de internação que já existe na cidade – e a obra deve iniciar até a metade do ano. Depois de pronto, serão 60 novas vagas: 40 para internação definitiva e 20 para internação provisória.
Case de Criciúma e Lages
Para 2014, outros dois municípios catarinenses devem ganhar um Case: Criciúma e Lages. Ambos os projetos já estão prontos. Em cada um serão 60 novas vagas: 40 para internação definitiva e 20 para provisória.
Fonte: Secretaria do Estado de Justiça e Cidadania
::A dimensão do problema
– 290 adolescentes cumprem medidas socioeducativas neste momento no Estado, em 25 unidades diferentes. Destes, apenas nove são do sexo feminino.
Continua depois da publicidade
– Os atos infracionais mais praticados por eles são homicídios (68), assaltos (63), tráfico de drogas (51), roubo (41), furto (21), tentativa de homicídio (21), latrocínio (10), estupro (8), incêndio (4) e lesões corporais (3).
– Hoje, 78 adolescentes sentenciados a internação definitiva cumprem suas medidas em unidades provisórias, o que seria proibido por lei. Destes, 19 estão em centros de Blumenau e 18 em Itajaí.
– O ano começou com uma lista de espera de 16 adolescentes que, há mais de um ano, aguardam em liberdade por uma vaga de internação definitiva no Estado. A maioria deles foi condenado por roubo.
Continua depois da publicidade
– As medidas socioeducativas variam de advertência à internação, levando em conta a gravidade e a capacidade do infrator em cumprir as medidas.
Fonte: Departamento de Administração Socioeducativo (Dease)