Um a um eles chegam, às quartas-feiras, no horário das 15h ou das 18h30min, até um dos dois centros de Referência de Assistência Social (Creas) nas regiões norte e sul de Blumenau. São de idades, cores e classes sociais distintas. A única semelhança é terem sido autores de violência contra a mulher. Os encontros a que devem comparecer por ordem judicial servem para educação e reabilitação. Esse tipo de atendimento está previsto na lei federal 11.340, que leva o nome da vítima Maria da Penha Maia Fernandes e completou na última quinta-feira, 22 de setembro, 10 anos em vigor.

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A frequência aos encontros quinzenais é obrigatória – e a maioria deles cumpre. Por maior que seja a adesão ao ¿grupo de homens¿, o parágrafo 5o do artigo 35, que delega a criação desses grupos à União, ao Distrito Federal, aos Estados ou aos municípios, é uma das partes menos efetivadas da Lei Maria da Penha. É também a parcela menos discutida, apesar de ser apontada por especialistas como o caminho para a mudança de comportamento, cultura e educação que perpetua a violência de gênero no país.

Assista ao vídeo sobre a rotina dos grupos de homens em Blumenau

O grupo de Blumenau é o primeiro com este foco no Brasil e o único de Santa Catarina. Ele foi estabelecido pela prefeitura há 13 anos, antes mesmo da lei, com recursos do governo federal: R$ 17,4 mil por mês para cada grupo. Isso porque o artigo 152 da Lei de Execução Penal, de 1984, já autorizava o juiz a ¿determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação¿.

Nunca há menos de 15 participantes em cada turma no centro estabelecido na maior cidade do Vale do Itajaí. Os homens em processo de reeducação cumprimentam com timidez quem encontram até chegar ao local onde devem entender e buscar alternativas para romper o ciclo de violência contra as próprias companheiras. 

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Grupo de reabilitação de homens agressores se reúne todas as quartas em Blumenau Foto: Patrick Rodrigues / Agencia RBS

Acomodam-se em uma das cadeiras dispostas em círculo em uma sala onde se misturam apresentações projetadas sobre temas como violência, legislação, relacionamento familiar e entre gerações, questões de gênero, autoestima e paternidade. E também com brinquedos infantis, porque compartilham o espaço com as vítimas do próprio machismo, as mulheres, amparadas em maior escala em outros dias da semana junto aos filhos, que também precisam de suporte para lidar com a violência presenciada em casa e da qual muitas vezes eles também são vítimas.

De 2003 a 2014, somente voluntários participaram do único grupo de homens do Estado. Em 2015, 104 agressores foram obrigados judicialmente a frequentar os encontros. Outros 83 foram encaminhados de janeiro a junho deste ano. A média de descumprimento da medida judicial é de 30%. Também houve 10 homens voluntários nos últimos dois anos. Nenhum deles voltou a agredir uma mulher.



Reflexão e divisão de experiências estimulam a vontade de mudar

Quando relata a alguém sobre a fúria que despejou contra a mulher com quem dividiu a vida por 28 anos, Vilson Araújo Rosa, 50, repete incansavelmente que essa teria sido a única vez que a agrediu. Justifica a agressão como um caso isolado. Mas o rompante violento à luz do dia no centro de Blumenau, há pouco mais de um ano, foi suficiente para que ele fosse detido em flagrante pela polícia. Oito meses depois, os socos, empurrões e pontapés desferidos na ex-esposa e em outro homem que estava próximo obrigaram-no a participar do grupo de homens no Creas no norte da cidade.

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Coragem para mudar: detido em flagrante há mais de um ano por agredir a mulher em Blumenau, Vilson Rosa faz parte da reeducação e hoje se diz transformado Foto: Marco Favero / Agencia RBS

– O juiz pediu para eu passar por essa doutrina. Eu nem sabia o que era. Achei melhor do que pagar cesta básica. Eu tirava aquela horinha, pedia licença do trabalho e vinha aqui para ouvir umas coisas que batem no coração do cara. Mas tem que ter cabeça para refletir – diz o homem sem vergonha de se expor, já que buscou melhora e hoje diz ter aprendido a lição.Apesar de a violência ter resultado na separação do casal, Vilson pensou sobre o que fez no grupo que chama de ¿limpeza de cabeça¿. Parece, aos poucos, perceber a gravidade da consequência de uma explosão de ira.– Eu me arrependi de ter batido nela. Não devia ter feito isso. Eles passam bastante conhecimento para evitar. A principal lição é saber relevar e ter paciência. Conversar mais com a família, com os filhos. Não explodir em nenhuma situação.A experiência em grupo fez com que o ex-técnico instalador de ar-condicionado também refletisse sobre questões mais amplas, como a divisão de tarefas domésticas.– Vi muitas pessoas agressivas aqui, que diziam que mulher tem que ser assim ou assado. Que tem que lavar roupa, fazer comida. Mas não é assim. Tem que dividir as tarefas. Até gosto quando a mulher faz coisas que dizem ser de homem, tipo dirigir. Sou contra esse negócio de machismo – garante o síndico de um condomínio do programa Minha Casa Minha Vida, que recentemente deixou o preconceito de lado e até colocou brinco em uma das orelhas.– O cara fica, sei lá, mais solto. Brinca mais. Se solta mais. Eu tô assim – completa Rosa.



BALANÇO DOS 10 ANOS DA LEI PELO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
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Participante assíduo há sete anos

Outro participante, que prefere não ser identificado, frequenta voluntariamente os encontros de educação e reabilitação em Blumenau há sete anos. Ele diz ter sido agredido pela ex-mulher no que chama de ¿um conflito¿ por causa das crianças. O homem de 54 anos considera a reflexão importante em qualquer contexto de relacionamento abusivo.

– É uma pressão. Já fomos chamados de vagabundos na televisão. Mas aprendi muitas coisas que valem a pena nesses anos, principalmente a conversar com as pessoas. Se eu fosse um cara agressivo, eu teria agredido ela muitas vezes, porque a agressividade dela despertava a minha, mas eu me segurava. Existe o entendimento. O que não existe é motivo para bater numa mulher. É uma covardia pelo ponto físico.

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Os profissionais do grupo de homens auxiliaram na separação do casal, vista como a alternativa para a família. Apesar do desfecho, ele considera ser possível salvar uma relação com base na reflexão. Por esse motivo, enfatiza, atua como disseminador do serviço existente em Blumenau.

– Então hoje eu ajudo a espalhar para as pessoas o que significa o grupo. Isso aqui é um direito.

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