“Alô, é da polícia? Vocês trabalham com roupa?”.

Perguntas desse tipo, infelizmente, ainda são rotina nas centrais de atendimento da Polícia Militar, dos bombeiros e do Samu. O que muitos podem desconhecer é que os minutos perdidos pelos serviços de urgência com este tipo de telefonema impede até o salvamento de uma vida. O trote telefônico ainda é muito ouvido pelas centrais de emergências deJoinville.

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De acordo com levantamento feito com dados do ano passado nas três centrais – PM, bombeiros e Samu –, a média diária de trotes ultrapassava os 62 registros. Sem a presença do Samu, que não forneceu os dados deste ano, a média caiu consideravelmente, para 27,8 ligações enganosas por dia. E olha que esse número foi ainda menor em 2016, quando a média de trotes diários apenas da PM e dos bombeiros ficou na faixa de 19 telefonemas.

Na central de emergência de Joinville, que funciona no 8° Batalhão de PM, no bairro Glória, ocorrem os atendimentos feitos pelos bombeiros e pelo Samu. Cada entidade tem uma equipe especializada que faz uma espécie de triagem dos telefones que chegam para apurar eventuais trotes.

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No ano passado, somando apenas os registros da PM e dos bombeiros, houve 6.995 ligações enganosas, o que resultou em uma média de 19,16 registros por dia. Com os trotes do Samu (15.723 em 2016), a média passou das 62 ligações por dia.

Para o chefe da Central Regional de Emergência (CRE) da PM, major Adriano Madeira, essas ligações impactam diretamente o atendimento prestado à comunidade. O tempo perdido com o trote pode prejudicar a rapidez na assistência ao cidadão. Os agentes temporários que atendem às ligações do 190 têm treinamento para coibir esses telefonemas.

– Na CRE da polícia, nós temos o procedimento operacional padrão, que são normativas que dizem como os agentes devem atender às ligações. Tem toda uma didática de perguntas para extrair as informações da pessoa e identificar essas situações – explicou.

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O que se sabe é que a maioria dos trotes costuma ser feita por crianças e adolescentes em horário escolar, embora existam casos de ligações originadas por adultos. O som ambiente e o tipo da voz são fatores que auxiliam a identificar as ligações mentirosas.

O chefe da CRE ainda esclarece que grande parte dessas brincadeiras é barrada no primeiro atendimento, porém, tem situações em que elas não são identificadas e a viatura é deslocada ao local do suposto ocorrido, gerando prejuízos financeiros e de tempo.

Para os bombeiros voluntários, a situação não é diferente. A chefe de atendimento, Muriel Rosa, explica que o mais impactante nestes casos é quando veículos são disponibilizados em ocorrências fraudulentas e, ao mesmo tempo, ter um caso real para atender.

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Além do risco de não salvar a vida, a chance de atrasar o socorro é grande. O órgão deve obedecer ao tempo de resposta para a comunidade, que é de cinco minutos, conforme normatização da Organização das Nações Unidas (ONU). A corporação joinvilense atende, em média, no tempo de oito minutos.

O atendimento do Samu também recebe diariamente as chamadas falsas na Central de Regulação (CR). Para o gerente regional, Carlos Eduardo Pereira Carpes, elas são altamente prejudiciais ao andamento do serviço prestado pelo órgão, já que pelo menos um profissional é disponibilizado para o atendimento, deixando de prestar auxílio a quem realmente precisa.

– Quando uma ligação de trote é atendida nas centrais, outra pessoa deixa de conseguir esse contato. Assim acontece também com o envio das ambulâncias, além de pôr em risco a vida da própria equipe – afirmou.

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Volume ainda é considerado alto pela PM

Apesar de o número de trotes à PM ter diminuído nos últimos anos, o comandante do 8º BPM, Jofrey Santos da Silva, considera que o montante ainda é muito alto. Entre 2015 e 2016, os registros caíram de 12.138 para 4.143 ligações enganosas ao ano.

O comandante explica que essa diminuição pode estar ligada à menor utilização dos telefones públicos – principal meio utilizado para fazer ligações anônimas. Em 2016, devem ser levadas em consideração as situações nas quais não são constatadas ocorrências após a averiguação. Isto é, uma equipe é enviada ao local informado pelo denunciante, mas o fato não é encontrado pela PM.

Estas situações devem entrar na estatística dos trotes, conforme Jofrey, porque o tempo gasto pelos profissionais poderia ser utilizado em outras atividades, como a prevenção de atividades criminosas. No ano passado, essas ocorrências somaram 6.985 casos.

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Tanto os trotes quanto os falsos chamados também reduzem a quantidade de patrulhamento nas ruas de Joinville.

– Nós estamos reduzindo a nossa força quando há este tipo de ocorrência. Então, se a comunidade que a PM seja mais presente, é imprescindível que sejamos acionados apenas quando é preciso. Na medida em que é tirado o foco das guarnições de patrulhamento, é menos serviço preventivo, é menos presença efetiva na comunidade – afirma o comandante Jofrey.

Conscientização pode ser a solução

Para reverter o quadro, Muriel Rosa, dos bombeiros voluntários, defende campanhas de conscientização focadas no público adolescente, mostrando o risco que esse tipo de telefonema pode causar à vida de uma pessoa que precisa de atendimento.

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Ela ressalta que também pode existir envolvimento das escolas, ajudando na formação de jovens mais conscientes sobre os serviços de emergência. O gerente do Samu, Carlos Carpes, confirma com a opinião de Muriel.

– A principal prevenção aos trotes é a conscientização da população sobre os problemas que ele pode causar na vida das pessoas que realmente necessitam de ajuda – defende.

Além disso, desde 2012, o Samu conta com o Projeto EducaSamu, desenvolvido pela Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM) em parceria com a Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina (SES), com o objetivo de orientar e esclarecer para a comunidade as funções exercidas pelo órgão e, consequentemente, reduzir o número de trotes e ligações indevidas para o 192.

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O projeto está ativo na região de Joinville com uma profissional educadora que realiza atividades de orientação a toda a população, com foco principal nas escolas.O comandante do 8º BPM, Jofrey da Silva, ressalta que, no caso da PM, os conselhos de segurança pública (Consegs) e o Programa Rede de Vizinhos espalhados pelos bairros ajudam no entendimento do trabalho da PM e, consequentemente, na conscientização contra os trotes telefônicos.

Já o chefe da CRE da PM, major Adriano Madeira, defende que as campanhas ajudariam, mas os pais têm fundamental papel de orientação.