O Censo 2022 marcou um ciclo de 150 anos de história de recenseamentos no Brasil. Ao longo do período, as pesquisas no país acumularam diversas histórias, desde a presença de celebridades entre os recenseadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que batem à cada porta para colher informações do levantamento, à existência de uma revolta popular para impedir a realização do estudo.

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Abaixo, o NSC Total detalha esses e outros episódios curiosos da história dos recenseamentos no país, que constam em registros reunidos pelo IBGE.

Revolta contra o censo

O primeiro censo brasileiro era previsto para ocorrer em 1852, quando o Brasil era governado pelo imperador Dom Pedro II, mas acabou impedido por uma revolta popular que ameaçou servidores públicos e agentes de segurança da época.

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Dois anos antes, a Lei Eusébio de Queirós havia proibido o tráfico de africanos escravizados ao país. A partir da ideia do censo, que convocava cidadãos a declararem informações pessoais, houve o receio de que o governo planejava, na verdade, identificar negros pobres já libertos para voltar a escravizá-los.

A iniciativa acabou adiada e só foi colocada em prática em 1872, ainda na era imperial brasileira e 16 anos antes da escravidão ser abolida no país. Aquele primeiro censo identificou que o Brasil tinha 9.930.478 habitantes. Em Santa Catarina, eram 159.802.

Documento do primeiro recenseamento brasileiro detalha população em 1872 (Foto: Arquivo IBGE/Reprodução)

Prazo de 10 anos, mas nem sempre

Ficou definido já a partir deste primeiro recenseamento que o país faria uma nova pesquisa a cada 10 anos, intervalo de tempo adotado em quase todo o mundo, segundo o IBGE. Isso, no entanto, deixou de ser cumprido no Brasil já na primeira ocasião em que o estudo deveria ser repetido e em outras quatro situações.

Em 1879, o governo imperial extinguiu o órgão que havia feito o recenseamento anterior, a Diretoria Geral de Estatística, e adiou ele para 1887. Na nova data, no entanto, a pesquisa acabou mais uma vez suspensa, por desinteresse de uma monarquia que já estava a dois anos de ser encerrada. O recenseamento só voltou a ser feito em 1890, ano seguinte ao da proclamação da República.

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Em 1910 e 1930, os recenseamentos deixaram de ser feitos devido ao quadro político instável do país, segundo o IBGE. Já o censo de 1991 foi realizado no ano seguinte ao que era previsto por conta da demora do governo Fernando Collor de Mello, que prometia enxugar a máquina pública, em contratar servidores para isso.

O atraso mais recente diz respeito ao Censo 2022. Há dois anos, ele acabou adiado por conta da pandemia de coronavírus. Já em 2021, deixou de ser feito por falta de previsão no orçamento federal.

Hitler na mira do IBGE

O censo de 1940 foi o primeiro do país a ser realizado pelo IBGE, que havia sido instalado pelo governo Getúlio Vargas quatro anos antes, para centralizar a coleta de estatísticas. Aquele foi também o primeiro recenseamento a incluir questionamentos sobre quais eram as línguas faladas em cada casa.

Selo comemorativo exalta recenseamento de 1940, o primeiro do IBGE
Selo comemorativo exalta recenseamento de 1940, o primeiro do IBGE (Foto: Arquivo IBGE)

O motivo para isso foi o medo da Segunda Guerra Mundial, que havia tido início no ano anterior. O governo federal temia que, caso declarasse guerra ao Eixo, aliança militar liderada pela Alemanha nazista, de Adolf Hitler, o que veio a ocorrer em 1942, surgissem grupos rebeldes dentro do próprio país, em regiões com habitantes que só falavam alemão, italiano ou japonês, línguas dos países que compunham o grupo derrotado.

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Isso tem sido uma constante ao longo dos levantamentos do IBGE: incorporar às pesquisas questões sobre temas que passaram a pautar a sociedade. No Censo 2022, uma das novidades será a investigação do autismo no Brasil.

Mortos na conta do Censo

O IBGE utiliza uma data de referência para fazer a contagem da população. Em 2022, foi escolhida para isso a meia-noite da passagem de 31 de julho para 1º de agosto. Ou seja, uma pessoa que morava em um domicílio a essa altura, mas que morreu dias depois, será, ainda assim, considerada moradora dele e estará incluída na conta do censo.

Da mesma maneira, um bebê que só tenha nascido após a data de referência do IBGE, ainda que já estivesse na barriga da mãe no domicílio nessa ocasião, não vai ser considerado no número sobre a população total do país na pesquisa.

O Censo 2022 também vai considerar como moradores do domicílio as pessoas que estejam fora de casa ou até em viagem na altura da visita do recenseador ou mesmo da data de referência, desde que essa ausência não ultrapasse um período de 12 meses.

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Justamente por conta disso, o IBGE diz executar a coleta de dados em períodos de movimentos mínimos da população. A escolha correta da data de referência também promove uma melhor precisão na comparação dos dados entre as pesquisas.

Noventa (e quatro) milhões em ação

O Censo 2022 foi o quarto da história a ser realizado no mesmo ano em que ocorreu uma Copa do Mundo. A primeira vez em que isso ocorreu foi em 1950, quando o Brasil foi também anfitrião do Mundial e acabou, no entanto, sendo derrotado na final pelo Uruguai em pleno Maracanã, no trágico episódio conhecido como Maracanazo.

Na última vez em que houve essa coincidência, o Brasil foi frustrado por uma queda nas quartas de final do torneio, para a Holanda, em 2010. Ao menos em uma ocasião, no entanto, o fato pareceu dar sorte ao futebol brasileiro, em 1970.

Naquela ocasião, do Censo 1970, o Brasil foi tricampeão da Copa do Mundo. Ainda naquele ano, o apelo do futebol foi usado pela propaganda da ditadura militar para promover a adesão da população à pesquisa, o que já ocorreu no censo anterior.

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Pelé, Rildo e Carlos Alberto até protagonizaram uma foto histórica de quando foram entrevistados para a pesquisa. Eles não chegaram a responder, no entanto, sobre o que entendiam ser sua raça e cor de pele, já que a temática foi retirada daquela edição. A questão só voltou a aparecer a partir do censo seguinte.

Pelé, Rildo e Carlos Alberto, da esquerda para a direita, respondem ao Censo 1970
Pelé, Rildo e Carlos Alberto, da esquerda para a direita, respondem ao Censo 1970 (Foto: Arquivo IBGE)

A ligação entre o censo e o futebol também foi reforçada na ocasião pela música que embalou a seleção, “Para Frente, Brasil”, que fazia menção logo em sua primeira frase a um dado que constaria na pesquisa: “Noventa milhões em ação…”. O recenseamento daquele ano identificou, no entanto, que já eram 94.508.583 habitantes no país.

Aquele primeiro censo da ditadura militar também foi marcado pelo amparo de uma lei aprovada em 1968 que previa a obrigatoriedade da prestação de informações ao IBGE e que segue em vigor até hoje. A lei do sigílo estatístico ainda estabelece a punição a quem mentir ao estudo e a garantia de confidencialidade dos dados.

Demora nos resultados

O primeiro recenseamento brasileiro a ter resultados preliminares divulgados no mesmo ano em que foi feita a coleta das informações é o de 1980, quando ao menos parte do processo passou a ser informatizado. Um século antes, o recenseamento de 1880 exigiu 10 anos para que os dados fossem consolidados e, enfim, divulgados.

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O trabalho do IBGE incorporou outras inovações até a virada do milênio, mas, ainda assim, no Censo 2000, as informações ainda eram anotadas a lápis em questionários de papel. Só em 2010 o órgão colocou em prática um censo totalmente digital. Isso incluiu também a coleta 100% digitalizada, iniciativa inédita no mundo todo.

No Censo 2022, o avanço tecnológico começará pelo uso de smartphones pelos recenseadores na coleta de informações, o que vai permitir que elas sejam enviadas diretamente a dois centros de dados do IBGE. Isso vai, mais uma vez, acelerar o processo de consolidação do material identificado pela pesquisa.

Acorda, menina!

O censo de 2022 colocou cerca de 183 mil recenseadores nas ruas para dar conta do trabalho de visitar cerca de 74 milhões de domicílios no país. Os servidores do IBGE assumiran a função com base em contratos temporários, o que já era uma prática adotada em pesquisas anteriores e envolveu trabalhadores que se tornaram celebridades.

É o caso da apresentadora Ana Maria Braga, que foi recenseadora em uma época em que era vestibulanda em São José do Rio Preto (SP) e buscava uma renda extra.

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— Sei que eu ganhei naquela época uma grana que me ajudou muito no meu pré-vestibular. Eu estudava até não sei que horas, de madrugada, pra poder prestar o exame pra entrar na faculdade. E eu me lembro direitinho, me ajudou bastante, trabalhei muito, mas valeu muito a pena — afirmou à uma publicação do IBGE.

Ela trabalhou no Censo 1970, 10 anos antes do apresentador e jornalista Pedro Bial e do músico André Jung, ex-baterista das bandas Titãs e Ira!, também serem recenseadores. A jornalista Flávia Oliveira também já contribuiu com a pesquisa, ao ter sido estagiária do departamento de economia do IBGE em uma altura em que era aluna de ensino médio em estatística na Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence).

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