Nasceu Arcanjo Antônio Lopes do Nascimento e na família de 12 irmãos era chamado de Canjo, mas pela semelhança física com o cantor ganhou o apelido de Tim. Foi Samuel Wainer, um dos jornalistas mais importantes do país, o responsável pela denominação que tornaria o gaúcho nascido em 18 de novembro de 1950, em Pelotas (RS), um dos profissionais mais admirados da imprensa brasileira.
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Nesta quinta-feira, 2 de junho, familiares e amigos se reúnem no Santuário do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, para uma celebração em memória do jornalista Tim Lopes. A celebração, às 10h, marca os 20 anos do assassinato de Tim, na época com 51 anos, quando fazia uma reportagem sobre abuso de menores e tráfico de drogas em um baile funk da Vila Cruzeiro, na Penha, Zona Norte carioca. O corpo foi carbonizado, numa fogueira de pneus, o chamado micro-ondas, a mando de traficantes.
– O 2 de junho nos reporta a uma mutilação pessoal, familiar e social. Ao mesmo tempo, reconhecemos em Tim a indignação e a inquietude diante do preconceito racial, da misoginia, da exclusão social. Hoje, o exemplo de sua força e coragem contribuem para que lutemos para uma sociedade mais justa e inclusiva, especialmente, no contexto político que o país atravessa – conta Tânia Lopes Muri, irmã do jornalista.
Também nesta quinta-feira, às 16h, os 20 anos da morte de Tim Lopes serão lembrados em ato no auditório do 9º andar da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Além da ABI, participam da organização do ato a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
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No momento em que crescem os ataques a jornalistas – e à própria imprensa – no país, os 20 anos da morte de Tim Lopes se revestem de grande simbolismo.
Enorme senso de justiça
Tim foi considerado pelos colegas de profissão como um dos mais brilhantes repórteres investigativos do país:
– O Tim era único. De uma risada, de uma conversa relaxada, surgia uma pauta genial. Sempre com o olhar humano, sempre preocupado com as pessoas mais desamparadas, sempre com o senso enorme de justiça. Tenho orgulho de ter convivido com o Tim, um jornalista brilhante, um ser humano com o coração maior do que o mundo – afirma César Seabra, diretor de Jornalismo da NSC, que trabalhou com Tim Lopes na TV Globo.
Em 2002, três meses após o assassinato de Tim Lopes, o jornalista Marcelo Beraba convidava, por e-mail, repórteres e editores de diferentes veículos e estados brasileiros a unirem-se em uma nova associação. Em dezembro daquele ano, cerca de 140 jornalistas decidiram criar a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
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– A morte do Tim provocou fortes reações. Entre elas, a fundação da Abraji, nascida nas redações com o objetivo de melhorar a qualificação profissional, lutar por uma lei de transparência – que não existia –, defender as liberdades de expressão e de imprensa e a integridade dos jornalistas.
> César Seabra: “Tim foi o jornalista mais humanista que conheci”
De acordo com dados da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), em 2021 foram registrados 430 ataques a jornalistas no país, o maior número desde que foi iniciado o levantamento, na década de 1990. O crime ampliou o debate sobre a integridade física dos jornalistas no exercício da profissão, e sobre a própria segurança pública. A luta pela apuração dos fatos e a punição dos culpados, capitaneada por jornalistas, foi essencial para que não houvesse impunidade.
“Tim lutaria pela justiça social, e por ela morreria”, diz irmã
Vinte anos depois, o crime bárbaro com repercussão nacional e internacional ainda é muito presente na vida de Tânia Lopes Muri, funcionária pública federal e ativista do movimento feminino.
– O Canjo, como dizíamos em casa, era o meu irmão camarada. Éramos nove irmãos, seis homens e três mulheres, mas eu e ele tínhamos muita proximidade e fazíamos um forte elo familiar – diz a irmã.
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Arcanjo era o quarto de uma família de doze filhos. Quando tinha 8 anos, os pais, Argemiro e Maria do Carmo, mudaram-se do Rio Grande do Sul para o Rio de Janeiro. Os Lopes foram viver em uma casa simples na comunidade da Mangueira, uma residência com três cômodos. Desde muito cedo Tim sabia o que queria fazer da vida: estar próximo das pessoas desassistidas, dos excluídos.

Tim saiu cedo de casa, pois precisava trabalhar. Mas, sobretudo, para proteger os familiares, já que faria do trabalho um lugar de denúncia focada nos pobres, nos negros, nas mulheres chefes de família:
– Os sobreviventes da linha da miséria eram os protagonistas das suas matérias jornalísticas. Tim lutaria pela justiça social, e por ela morreria – conta Tânia.
Entre os Lopes não havia dúvidas sobre o quanto para ele a profissão era prioridade. Porém, a família tinha um lugar nobre no coração do filho e irmão repórter:
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– Entre uma matéria e outra, ele telefonava para nossa mãe avisando que iria passar para tomar um café ou “fazer uma boquinha”. Chegava abraçando e beijando a todos, e querendo saber sobre cada um. Tim era o quarto filho. Mas foi o primeiro a morrer. Cada irmão viveu silenciosamente a dor de uma partida tão dolorosa. Na época do desaparecimento, a mãe deixou de comer. Todos os dias a família se reunia para rezar o terço e mantinha certa esperança de que fosse apenas um sequestro – recorda a irmã.
Ela complementa:
– Até que um dia estava passando automobilismo na televisão e entrou uma tarja preta dizendo que estava confirmada a morte de Tim Lopes. Foi assim que eu soube da morte do meu irmão. E fiquei com a tarefa de ser a porta-voz para que ele não fosse esquecido – conta Tânia.
A irmã de Tim conta de algo que considera inesquecível:
– Lembro da noite em que assistimos juntos uma homenagem do Jornal Nacional. Quando acabou, minha mãe beijou cada filho. Era como se estivesse beijando também o seu filho querido, o nosso Tim. Naquele momento, ainda não sabíamos ao certo o desfecho. Mas Tim jamais estaria de novo naquela casa de mãe.
O JN dedicou cerca de 25 minutos do noticiário daquele dia ao assunto. O apresentador William Bonner leu um texto como se estivesse conversando com o repórter brutalmente assassinado. Bonner encerrou o telejornal com aplausos. Ao fundo, na redação, toda a equipe de preto, em pé, também aplaudiu. Os aplausos ganharam o país.
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A trajetória e curiosidades da vida de Tim Lopes
Quando foi brutalmente assassinado, Tim Lopes já tinha mais de 30 anos de carreira, em uma trajetória marcada pelo combate à violência, às injustiças e às desigualdades sociais por meio das reportagens. Tim começou como contínuo no jornalismo na década de 1970 na revista “Domingo Ilustrada”, no “Última Hora”, do icônico Samuel Wainer.
Formado em jornalismo pela Faculdades Hélio Alonso (Facha), Tim trabalhou no Globo, em “O Dia”, “Jornal do Brasil”, “Folha de S.Paulo” e “Placar”. Casado com a estilista Alessandra Wagner, havia dez anos, ele deixou um filho do primeiro casamento, Bruno Quintella. Em 2013, Bruno dirigiu o documentário “Tim Lopes: Histórias de Arcanjo”, onde conta a trajetória do jornalista a partir do ponto de vista do filho.
Ainda na década de 1970, escreveu reportagens para o jornal alternativo “O Repórter”. Em uma delas, relatava as condições precárias dos operários que trabalhavam na construção do Metrô do Rio. Para produzi-la, em 1978, Tim Lopes trabalhou disfarçado como “peão” na própria obra, iniciando assim a carreira de repórter investigativo. O disfarce seria uma constante na carreira. Em 1994, escreveu uma série de reportagens para o jornal “O Dia”, em 1994, intitulada, “Funk: Som, Alegria e Terror” em que ele descrevia os bailes dirigidos por traficantes nas comunidades cariocas.
Em 1988, Tim se fez de mendigo para relatar a vida de meninos de rua no Rio de Janeiro, para o Jornal do Brasil. Em 1991, virou sem teto e operário da Linha vermelha em reportagens para o jornal “O Dia”. Também disfarçado, fez uma série de reportagens intituladas “Feirão das Drogas”, em que ele, com uma câmera escondida, mostrava os traficantes vendendo drogas no meio da rua, em plena luz do dia. Em 1995, Tim se disfarçou de vendedor ambulante nos sinais e, com uma câmera escondida dentro de um cooler, denunciava os riscos que os motoristas correm ao serem abordados por assaltantes nos sinais. Internou-se por dois meses em uma clínica para dependentes químicos para realizar uma reportagem sobre o consumo de drogas.
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Tim foi um repórter que interagia com a cidade, com a realidade do Rio de Janeiro. Ele produziu uma peça sobre o samba da Mangueira e um dos fundadores, o sambista carioca Carlos Cachaça. Chegou a ser jurado no Carnaval carioca, na Marquês de Sapucaí. Foi também um dos fundadores do bloco carnavalesco, “Simpatia é quase amor”, de Ipanema. Tim tinha o estereótipo do malandro carioca: torcedor do Vasco, vivia sorrindo, cheio de gírias e era profundo conhecedor do asfalto e dos morros cariocas. Circulava com desenvoltura nos morros da cidade e nos botecos de Ipanema, onde morou por vários anos.

Tim ganhou vários prêmios jornalísticos. Em 2001, foi um dos ganhadores do Prêmio Esso de jornalismo com uma série de reportagens sobre o “Feirão das Drogas”. Venceu o “Prêmio Abril de Jornalismo” em 1985 e 1986, respectivamente, por reportagens sobre futebol na revista “Placar”.
Tim Lopes foi premiado, postumamente, com o maior prêmio de direitos humanos do Brasil, o “Prêmio Direitos Humanos”, que homenageia os que arriscam suas vidas em defesa dos direitos humanos, em 2012. Também pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi) para projetos de reportagem sobre violência e exploração sexual de crianças e adolescentes. Em outras homenagens póstumas, uma rua, no subúrbio da zona oeste, na Barra da Tijuca, foi batizada de Avenida Tim Lopes; e uma escola, construída no Complexo do Alemão, onde o jornalista foi morto, recebeu o nome de Colégio Tim Lopes. Também em Pelotas (RS), cidade natal, uma rua leva seu nome.

Três dias depois de localizados, em 5 de julho, um exame de DNA confirmou que os restos mortais encontrados em um cemitério clandestino, no alto da favela, eram mesmo do jornalista. Depoimentos de testemunhas e dos envolvidos no caso indicaram que Tim fora sequestrado, torturado, julgado e executado por traficantes de uma facção, comandados por Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, condenado a 28 anos e seis meses e encontrado morto em setembro de 2020 na Penitenciária Federal de Catanduvas, no oeste do Paraná.
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