O pequeno Yuri Vargas, de seis anos, chegou de mansinho na manhã da última terça-feira à base da Cavalaria da Polícia Militar de São José. E quando menos se esperava…
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— Surpresa! — berrou ele, como quem já tinha intimidade com todas as pessoas que estavam ali presentes.
Junto de sua mãe, Meirele Vargas, 31, ele trazia uma cenourinha para o Xique, cavalo que ele costuma montar durante suas sessões de equoterapia, realizadas no picadeiro da Cavalaria todas as semanas. O projeto já existe há 19 anos, e é uma parceria bem sucedida entre PM e Fundação Catarinense de Educação Especial.
Yuri tem autismo e é uma das 40 crianças e adolescentes — além de três adultos — com algum tipo de deficiência que realizam, neste ano, as sessões de equoterapia.
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O método terapêutico utiliza o cavalo para o desenvolvimento biopsicossocial das pessoas com deficiência, explicou o sargento Hilário José Ferreira, um dos responsáveis, por parte da polícia, pela iniciativa.
— O Yuri iniciou a equoterapia em março deste ano, e estou notando que cada vez mais ele tem perdido a insegurança de andar no cavalo e até de ficar em lugar de uma altura mais alta, como em algum brinquedo de parquinho. Tem ajudado muito a ele perder o medo — revelou a mãe.
As sessões ocorrem de segunda a quinta-feira, quando não chove. Dependendo da criança e de sua necessidade, são três pessoas que a acompanham em cada sessão: o equitador, que no caso é o policial militar que guia o cavalo, e dois mediadores, geralmente profissionais da Fundação, como uma psicóloga, pedagoga ou educador físico.
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Cada um deles fica de um lado do cavalo, acompanhando todas as atividades do pequeno. A psicóloga Rana dos Santos, 30, aproveita para fazer atividades de memorização. Com cartas de 1 a 4, ela pediu para que Yuri, por exemplo, no número 1, se virasse para o lado dela. No número dois, virasse, em cima do cavalo, para o lado da outra educadora.
— Nós vemos avanços em cada sessão. O cavalo também é um terapeuta para eles, assim como a gente. A equoterapia desenvolve uma série de habilidades na criança autista, por exemplo, principalmente no social. Uma relação não só com o cavalo, mas com todos os profissionais que elas encontram aqui — observou a psicóloga.
Rana observa que, com a empolgação e felicidade da criança ao andar no cavalo, é possível fazer com que ela fique mais aberta a receber e obedecer comandos, coisa que pode ser um pouco mais delicada no autismo. A fisioterapeuta que atua no projeto, Geovana Régis, ainda elenca outras melhorias observadas com a equoterapia, além da socialização, como equilíbrio, ajuste tônico, postura e esquema corporal e coordenação motora.
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— No caso de uma criança com paralisia, por exemplo, acompanhamos o trajeto dela no cavalo para corrigirmos, com cuidado, sua postura. A equoterapia simula uma caminhada e faz o movimento tridimensional — explicou a fisioterapeuta.
Geovana ainda lembra que a equoterapia é uma terapia complementar, e que há todo um trabalho além, com psicólogos, fonoaudiólogos e médicos especialistas.
— É um trabalho multidisciplinar para tratar crianças e adolescentes com deficiência — exemplificou.
Felicidade em quem ajuda
A primeira coisa que Arthur Souza Borges Coelho, de cinco anos, faz ao chegar ao picadeiro, é abraçar o equitador e sargento Vanilson Florentino, que acompanha todas as suas sessões. A relação deles é digna de emoção. Arthur tem síndrome de Asperger e criou uma amizade muito forte com o policial.
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— Eu não tenho explicação, não tenho palavras para descrever o trabalho que é feito aqui, por todos. O Arthur faz equoterapia há dois anos e notamos um desenvolvimento total nele. Só o fato de ele se relacionar assim com a equipe já nos anima — contou o pai, o vigia Wagner Coelho, 35.
Durante a sessão, Arthur foi acompanhado por Vanilson e as duas profissionais da Fundação, e além de aprender a sentar de lados diferentes no cavalo, até jogou bola, mesmo em cima do animal. No final da sessão, lembrou certinho o que diziam cada número que a psicóloga Rana lhe mostrava. Mas o mais importante era o 4: abraçar e agradecer o Centurião, o cavalo que lhe proporcionou este momento.Wagner observou que, se ele precisasse pagar para Arthur fazer equoterapia, teria que desembolsar cerca de R$ 700 por quatro sessões por mês.
— E aqui esse trabalho tão importante é feito de forma gratuita. Nós já temos tantos outros investimentos, com fono, psicóloga. É uma ajuda importante — revelou.
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O projeto
De acordo com o sargento Hilário, a proposta da equoterapia surgiu primeiramente em Brasília, numa base do Exército Brasileiro. Um morador da capital federal, que tinha um filho que realizava o tratamento lá, mudou-se para Florianópolis e procurou a PM para sugerir a ideia. Na época, a base da Cavalaria ficava ainda em Florianópolis.
A sugestão foi vista com bons olhos, e procurada a Fundação, iniciou-se, em novembro de 1998, um projeto piloto de dois meses. No ano seguinte, um convênio entre os dois órgãos já estava assinado e o projeto tomou forma. Naquele ano, 60 pacientes foram beneficiados com a terapia gratuita.
— O projeto é o que a gente acredita, que é a polícia comunitária. Em trazer a comunidade para o quartel, em estar comprometido com o bem estar das pessoas — explicou o tenente-coronel responsável pela Cavalaria, Marcos Besen.
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Para garantir a total qualificação dos trabalhos, ocorreu — e ocorre até hoje — troca de informações e capacitações entre os funcionários e especialistas da Fundação e os policiais.
— Nós capacitamos os profissionais da Fundação a lidar com os cavalos, por exemplo, e eles nos capacitaram, com cursos, sobre lições e cuidados ao trabalhar com pessoas com deficiência — complementou o sargento Hilário.
Atualmente, cinco policiais militares equitadores são qualificados a participar do projeto. Por parte da Fundação, são sete profissionais: uma psicóloga, fisioterapeuta, uma pedagoga, uma professora, e três educadores físicos.
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Já os quatro cavalos destinados para a equoterapia, contou o sargento, também passam por cuidados especiais. Eles precisam passar por um trabalho para não se assustarem com os materiais utilizados na terapia.
— Os cavalos passaram por uma seleção. Eles precisam ter uma andadura regular e ser extremamente mansos — continuou o sargento.
Estes cavalos atuam com permanência na equoterapia, mas quando necessário, também são usados para ocorrências.
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Novo picadeiro
Os dias que chuva que impedem as sessões de equoterapia estão chegando ao fim, comemora o tenente-coronel Marcos. Um projeto para construir um picadeiro coberto no quartel da cavalaria, justamente para atender os pacientes da Fundação Catarinense, já está sendo viabilizado.
— Esperamos que em até 60 dias ele fique pronto, para darmos início ao processo para a construção — avalia o oficial.
Uma emenda parlamentar de R$ 350 mil já foi garantida para viabilizar o desejo. Segundo o tenente-coronel, desta forma, será possível garantir mais qualidade e frequência ao tratamento das crianças e adolescentes.
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