Choques da pistola taser, reação a medicamentos, consumo de drogas ou estresse. O que levou a morte de Marcos Antonio Clarinda, de 48 anos, após perseguição policial em Florianópolis, ainda não está esclarecido. O homem teria sofrido duas paradas cardiorrespiratórias depois que levou dois disparos com a pistola imobilizadora da Polícia Militar e ter recebido injeções ao ser atendido pelo Samu. O pedreiro, que trafegava em zigue-zague na noite de sexta-feira, estaria agitado e resistiu à prisão por furar duas barreiras policiais.
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O corpo foi sepultado no Bairro Guarda da Margem Esquerda, em Tubarão, às 10h deste domingo. O Instituto Médico Legal (IML) informou que o resultado do laudo sobre a causa da morte pode sair em até 30 dias. Especialistas como o cardiologista Tales de Carvalho acreditam que é difícil confirmar o que levou à parada cardiorrespiratória, porque uma série de fatores podem estar associados. O homem poderia estar em situação de estresse e sob efeito de álcool e drogas. O choque da arma poderia ter influenciado, assim como o medicamento aplicado. O conteúdo das injeções não foi confirmado pelo Samu.
Esse é o segundo homem que morre após ser atingido por taser. Em março de 2012, um outro recebeu a descarga após provável consumo de cocaína, nos Ingleses, Norte da Ilha, e não sobreviveu. A PM considerou o caso uma fatalidade e continuou a usar a pistola.
Na morte de Clarinda, o Samu e a PM deram versões diferentes no sábado. Segundo informações preliminares, o homem não teria parado o carro Ford Fiesta em uma abordagem da PM, na Via Expressa, no Bairro Capoeiras, às 23h40min de sexta. A perseguição foi até o Saco dos Limões, na Ilha, onde o carro bateu no poste depois que a PM disparou contra o pneu do carro. Como o homem resistiu e se debateu, sofreu dois disparos da arma taser.
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A diferença entre as histórias diz respeito ao local e ao horário da morte do homem. Segundo o Samu, o pedreiro estaria muito alterado na 2ª DP, teria tido uma parada cardíaca e recebeu a injeção. Teria sido encaminhado à ambulância e sofrido uma segunda parada e recebido mais uma injeção. Ele teria morrido no caminho para o hospital.
Já a PM, através de sua assessoria, afirmou que um sargento foi chamado ao Hospital Celso Ramos e, chegando lá, uma médica disse que Clarinda teria morrido. Conforme a assessoria, não se sabe se ele morreu na rua, na viatura ou no hospital.
Outra contradição diz respeito ao acionamento do Samu. O médico regulador do Samu em SC, Ramon Tartari, dise que o chamado ao Samu partiu da delegacia. A PM afirmou que o Samu foi acionado pela PM, em via pública, depois que a vítima voltou a ficar agitada, após receber os dois choques de taser, por volta da 01h10min de sábado.
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Seis viaturas da Polícia Militar e um helicóptero Águia participaram da perseguição. Trechos da ocorrência foram registradas por câmeras da PM, mas o vídeo não foi liberado pela corporação. A PM vai abrir um inquérito para analisar os procedimentos adotados. A 2ª DP também investiga o caso.
O filho do pedreiro, Deivid Antônio Clarinda, de 29 anos, afirmou que vai esperar o laudo do Instituto Médico Legal (IML) para entrar com uma ação na Justiça contra a Secretaria de Estado Segurança Pública (SSP) e Secretaria de Estado da Saúde por causa do procedimento realizado com o seu pai.
Segundo o filho, Marcos Clarinda estava transtornado, pois tinha se separado de um casamento de 30 anos há duas semanas. Ele estaria depressivo e desempregado. Morava sozinho, desde que a mulher foi viver na casa de uma das duas filhas, no Bairro Areias, em São José.
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Confira entrevista com especialista em segurança
A taser é utilizada pela Polícia Militar de Santa Catarina desde 2009 para paralizar infratores que se encontram em situações agitadas e de resistência à prisão. O equipamento é considerado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como instrumento menos letal. Mas o pedreiro Marcos Antonio Clarinda já é o segunda homem que morre após disparos de taser no Estado, o que demonstra possíveis riscos. O vice-coordenador do curso de Gestão de Segurança Pública da Unisul e doutor pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, José Carlos Noronha, explica o funcionamento dessa arma de eletrochoque.
Diário Catarinense – A taser é considerada uma arma não letal, sem nenhum risco de causar a morte da pessoa atingida?
José Carlos Noronha – Quando ministro aulas para os meus alunos, sempre digo que essa arma é de baixa letalidade, ou seja, qualquer corrente elétrica que passe pelo corpo do ser humano, dependendo da situação que estiver, pode resultar em morte. A carga tem um pico de alta voltagem, mas com uma corrente baixíssima, pois é utilizada para paralizar e não para matar. Mas se a pessoa está fragilizada, seja ela cardiopata, ou esteja sobre efeito de bebida ou alguma droga, pode trazer problemas e vir a óbito.
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DC – Como funciona a carga da taser no corpo de uma pessoa?
Noronha – O princípio do funcionamento de uma taser é similar daqueles antigos acendedores de fogão automáticos. Quando dispara, dois fios de cobre que conduzem a descarga são projetados e provocam um passagem de energia elétrica, de baixa amperagem. É rápido, causa uma contração muscular, que faz com que a pessoa pare.
DC – O senhor acredita que os disparos de taser podem ter matado o pedreiro que fugia da polícia?
Noronha – Temos um exemplo de um brasileiro que morreu na Austrália, no ano passado, por 14 disparos de alta potência, uma ação exagerada. Já a PM de Santa Catarina é uma das mais preparadas do Brasil. Os agentes são bem treinados para manusear a taser. A PM daqui não usa uma carga forte, acho que até que os disparos não foram a causa de morte. É mais provável que o homem veio a falecer pelos remédios aplicados depois.
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Confira entrevista com cardiologista
Os motivos que levaram o pedreiro Marcos Antonio Clarinda morrer após a parada cardiorespiratória não estão esclarecidos. O disparo da arma taser pode ser sido o gatilho para a fatalidade, mas outros fatores podem ter influenciado, como explica o cardiologista Tales Carvalho, na entrevista abaixo.
Diário Catarinense – O que pode ter levado Marcos Antonio Clarinda a morrer após parada cardiorespiratória?
Tales Carvalho – A primeira explicação é que ele poderia estar sob efeito de drogas que podem provocar arritmias fatais. O próprio consumo de álcool e o estresse tornam o coração mais excitado. Outra possibilidade é alguma relação com o estímulo causado pela arma.
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DC – Como pode ocorrer a relação entre a descarga da taser e outros fatores geradores de parada cardiorespiratória ?
Carvalho – O coração tem um gerador próprio de energia que emite impulsos elétricos. Logicamente esses estímulos sofrem interferência de agentes, como a emoção, o uso de drogas lícitas e ilicitas, o choque da arma e até mesmo de medicamentos. De qualquer forma, já existem outros casos de morte após disparo de taser e é algo que parece ter riscos.
DC – O laudo do IML deve responder o que motivou a morte?
Carvalho – Fica difícil constatar de fato o que provocou a parada cardiorespiratória, já que um conjunto de fatores pode tre interferido.
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