Charles Sousa afirma não ser muito bom com datas. Mas uma que ele jamais esquecerá é o dia de seu casamento, tanto pelo significado especial da união quanto pelo fato de acontecer durante a passagem do Furacão Catarina pelo Sul catarinense. 

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Era final da tarde de 27 de março de 2004, um sábado. Ele e a esposa, Cleimar, se casaram no salão de festas do Parque Ecológico de Maracajá, a cerca de 30 quilômetros de Criciúma. 

A cerimônia reuniu familiares e amigos de Santa Catarina, do Paraná e até do Rio Grande do Sul. Pelo menos, os que conseguiram chegar, pois muitos deram meia-volta depois dos alertas de vento forte na cidade. 

— A gente não ficou muito preocupado, estávamos mais nervosos por estar casando — conta Charles. — Também já estava tudo pago, comida, decoração, músico… Não tinha como cancelar. 

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A cerimônia e a festa foram no salão. Quando as portas se abriram para a entrada da noiva, Charles se lembra do assovio do vento e do véu de Cleimar voando atrás dela. 

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— Não dava pra ter dimensão da coisa. A gente ouvia o vento e a chuva, mas nada que nos deixasse preocupados. 

A cerimônia e o jantar seguiram tranquilamente. Por volta da meia-noite, no momento em que o DJ começaria a tocar a valsa dos noivos, a energia elétrica caiu. Nessa hora, parte dos convidados já tinha ido embora. Algumas pessoas já haviam levado cadeiras para o banheiro feminino (que ficava parcialmente subterrâneo) para se proteger. 

O prefeito de Maracajá na época, que estava no casamento, saiu no meio do evento junto com a Defesa Civil. Quando voltou, avisou aos convidados e aos noivos: “fiquem aqui”. 

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Por volta da uma da manhã, a energia retornou brevemente, seguida de novo apagão. 

— Ficamos à luz de velas — narra Charles. 

O salão de festas tem duas portas de vidro, de quatro folhas cada uma. O vento que vinha castigava a porta de trás, onde os convidados resolveram colocar os freezers de bebidas para tentar segurar a estrutura. 

No olho do furacão

Logo depois da 1h, o vento acalmou. Segundo a Defesa Civil, foi o momento em que o olho do furacão passou pela cidade. A calmaria, no entanto, durou pouco. Foi depois disso que começou a pior parte do furacão, quando ventos alcançaram 200 quilômetros por hora. 

A chuva entrava pelas frestas das portas e o zunido do vento deixava tudo ainda mais assustador. Nesta hora, todas as cerca de 30 pessoas que ainda estavam no salão, incluindo os noivos, foram para o banheiro feminino. Parte dele ficava no subsolo, com apenas uma janela para fora, e aquele se tornou o esconderijo do grupo. 

Daquela janela, era possível ver as árvores quase dobrarem com as rajadas. Charles só ficaria sabendo depois, mas havia um grupo de biólogos acampando no parque naquela noite. Eles foram orientados a se abrigarem no salão, mas os convidados do casamento e os profissionais não se cruzaram. 

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— Pegamos as cadeiras e colocamos no banheiro em duas fileiras, uma de frente para a outra. Era um espaço bem comprido, e no final conseguíamos ver a chuva e o vento lá fora. 

Do lado de fora, o vento virou e passou a atingir com mais força a porta da frente do salão. Lá em cima, eles haviam usado mesas e cadeiras para tentar segurá-la, mas sem sucesso: do banheiro, Charles lembra de ouvir o vidro se estilhaçar com o vento. Uma das telhas ecológicas usadas na cobertura da estrutura se desprendeu.

— Voou decoração, os presentes, taças, copos; voou tudo — relembra. — A gente só foi sair do banheiro de manhã. A esposa foi embora umas 8h, mas eu fiquei lá até umas 11h pra ver o prejuízo — conta. — De lá, fomos para casa. Não tinha mais clima pra lua-de-mel. 

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Hoje, a lembrança vem mais leve. Da família e amigos, ninguém se feriu. A casa de Charles e Cleimar, na Quarta Linha, em Criciúma, perdeu apenas uma telha, o portão de ferro saiu do trilho e quebrou o registro de água. 

— O vento não foi tão forte lá. Mas a gente via, no caminho, as casas destelhadas, árvores caídas. 

No fim, as fotos do casamento não saíram como eles pensavam. No parque, há uma ponte pênsil que seria o cenário perfeito para o ensaio. Mas ela voou e foi destruída. 

— A gente fica triste, era um dia que gostaríamos de ter comemorado com a família e os amigos. A gente queria ter amanhecido festejando — conta. — Queríamos um casamento inesquecível, e nesse ponto, ele foi. 

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Para celebrar os 20 anos de casados, eles planejam uma comemoração especial, e, nos 25, querem celebrar as Bodas de Prata com os amigos e parentes que estavam naquele 27 de março de 2004 para dar a festa tão desejada. 

Os anos de união deram frutos: Isabela, de 15 anos, e a pequena Alice, que completou 6 anos no começo de março. 

Reportagens especiais relembram Furacão Catarina

Na semana que marca os 20 anos da passagem do Furacão Catarina pelo Estado, uma série de reportagens especiais relembra como foi o evento, único no país, que afetou cidades do Sul catarinense em 2004, e trazem os aprendizados deixados pelo furacão, que mudou a vida de milhares de catarinenses.

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