Você pode imaginar olhar para o mar e não sentir o característico cheiro da maresia? Ou almoçar a sua comida preferida e simplesmente não conseguir saboreá-la? Ir ao mercado para você é algo comum? Então tente pensar em não conseguir sequer andar pelos corredores sem se sentir cansado. E sabe aquelas dores de cabeça que você sente ao acordar num mau dia? Aposto que se elas se tornassem constantes iriam atrapalhar muito a sua vida.

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Essas são apenas algumas das sequelas e experiências relatadas por catarinenses que até hoje sofrem as consequências de terem sido contaminados pelo novo coronavírus. Estudos já comprovaram que o vírus age de forma diferente em cada organismo. Existem os assintomáticos, infectados que não apresentam qualquer sinal da Covid-19. Há também quem contrai o coronavírus, sofre com os sintomas da doença e progride para um quadro mais grave. Mesmo sem precisar de internação, esses pacientes seguem convivendo com sequelas por semanas, e até meses, após se curarem.

Dor de cabeça constante, perda do olfato e paladar, dificuldade para respirar, cansaço, problemas psicológicos ligados à ansiedade e memória, distúrbios do sono, e até casos de desenvolvimento de depressão são alguns dos sintomas já mapeados pelos médicos e especialistas. O médico infectologista doutor Amaury Mielle explica que essas sequelas tem se mostrado mais comuns do que se imaginava no começo da pandemia, e já existe até um nome designado por quem está estudando o assunto: é a síndrome pós-Covid.

— Há uma estimativa hoje de que a cada cinco pacientes que contraem o vírus, um vai apresentar algum sintoma que vai se estender por um período (de semanas ou meses) após sua recuperação.

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“Quando penso que posso não voltar a sentir cheiro, começo a pirar”

Camila Zimmermann é um desses casos. Moradora de São José, ela foi diagnosticada com o coronavírus no começo de maio. Camila conta que os primeiros sintomas que apareceram foram as dores de cabeça e no corpo, febre e tosse. Como sofre com problema de asma, as crises também começaram a ficar mais constantes e a falta de ar causou preocupação. Mesmo com o tratamento e tomando diferentes remédios, ela relata que até hoje sofre com as consequências do vírus.

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— Além da falta de ar constante também perdi totalmente o olfato e paladar, fui recuperando depois de quase um mês, mas até hoje não voltou totalmente. Eu também canso muito mais rápido para fazer qualquer atividade, para subir escadas, fazer uma caminhada. Senti que logo depois da Covid minhas crises de asma também ficaram mais frequentes.

O mesmo aconteceu com Sandra de Liz Rosa. Aos 37 anos, ela foi diagnosticada com covid em julho, e além de perder a sensibilidade de cheiros e sabores, até hoje sofre com fortes dores na cabeça.

— Eu não sinto mais o cheiro das coisas, o pouco que eu sinto às vezes é invertido. A dor na cabeça é algo terrível, muito forte, eu não desejo para ninguém. E quando eu penso que posso não voltar a sentir cheiro, eu começo a pirar. Tento não pensar muito nisso, não focar tanto, mas a sensação é muito estranha.

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Esses sintomas são relatados por várias pessoas durante a recuperação da covid, conforme explica o médico Mielle.

— A perda do olfato e do paladar tem sido comum e pode se estender por semanas até que se recupere por completo. Mas isso é gradativo. A gente tem estudos e centros de tratamento que estão sendo desenvolvidos para poder acompanhar e oferecer melhor qualidade de vida para esses pacientes.

A fisioterapeuta Bárbara Maurício Nascimento conta como os profissionais da área têm agido nesses casos, quando procurados pelos pacientes.

— Alguns tipos de sequelas a gente consegue fazer um trabalho de dessensibilização. Então é preciso ir treinando novamente esses sentidos que foram acometidos para que eles possam se readaptar. Algumas questões musculares também conseguimos trabalhar. Mas dependendo do grau de acometimento, leva mais tempo para recuperar.

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Sequelas no pulmão estão entre as mais graves

Ela destaca que existem algumas sequelas que podem ser quase irreversíveis, como os de pacientes que tiveram comprometimento do pulmão, caso que os médicos consideram como uma das consequências mais graves.

— Alguns pacientes acabam desenvolvendo uma lesão chamada de fibrose pulmonar, e o pulmão é um órgão que não se regenera. Então teremos casos de pessoas que podem ter o comprometimento da capacidade pulmonar extremamente duradouro. Pessoas que acabam ficando com uma qualidade de vida muito ruim e que vão precisar fazer fisioterapia respiratória. Não temos um tratamento específico, é um tratamento de suporte, de adaptação — explica o doutor Amaury Mielle.

— O procedimento sempre é trabalhar em múltiplos aspectos, desde a fisioterapia respiratória até a motora. Trabalhar um recondicionamento físico global e cardio pulmonar. Precisamos trabalhar para condicionar a parte do tecido que é saudável – completa a fisioterapeuta Bárbara.

“Eu faço menos exercícios para ter menos dificuldade para respirar” 

O sintoma mais comum desses pacientes é a dificuldade para respirar e o cansaço frequente. Como o caso de Andrea Domingos. Aos 39 anos, a moradora de Florianópolis contraiu a doença em outubro e também sofre com as sequelas deixadas pelo coronavírus.

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— No momento ainda tenho falta de ar e sigo sem olfato e paladar, sem contar a fadiga que é bem grande. Eu participava de corridas de rua, hoje eu não consigo caminhar até o mercado. Sempre fui muito resistente com doenças, mas agora a covid é diferente. Parece que mexe com tudo. A sensação que eu tenho é que mexeu inclusive com meu cérebro, minha memória parece não funcionar direito, às vezes as palavras faltam, não saem. Só sei que não sou mais a mesma pessoa.

Sentimento comum entre aqueles que apresentam as sequelas e sofrem por meses com desconfortos e com a incerteza de não saber se algum dia voltarão ao seu normal.

— Eu tive que me adaptar ao que ficou, a como eu fiquei. Eu faço menos exercícios para cansar menos e ter menos dificuldade para respirar. Faço treinos de respiração para tentar melhorar. À perda do cheiro e do olfato é muito difícil de se adaptar, mas tenho esperança, confio muito na ciência, nas pessoas que estão estudando esse vírus – destaca Camila.

A sensação que eu tenho é que mexeu inclusive com meu cérebro Andréa

“É como jogar na loteria, tu não sabe se vai ser atingido ou não”

Moradora de Brusque, cidade do Vale do Itajaí, Sandra fala ainda sobre a sensação de impotência ao procurar atendimento médico nos hospitais. Por ser uma doença relativamente nova, os tratamentos e remédios indicados podem não ser completamente eficazes ou funcionarem para todas as pessoas.

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— É uma sensação horrível e que eu nunca tinha passado. De chegar no médico doente e ele não sabe direito o que falar. Eles te olham com pena, receitam um ou outro remédio, mas muitos não sabem ainda o que fazer. E é triste porque muita gente vai continuar achando que não é tão sério assim porque muitos não vão ter sintomas. Essas pessoas é que são o problema. Elas não têm sintomas, aí para elas é uma coisinha boba. Só que pra quem pega, e pega forte, é bem diferente. Se tu sofre com a doença e passa pelo que eu to passando, tu vê o mundo de outra forma.

Infelizmente, menosprezar a doença tem sido outro grave problema que pode estar contribuindo para que as pessoas deixem de se cuidar, o que provoca o aumento do número de casos de coronavírus no Estado. Isso aconteceu com Andréa até dentro de casa.

— Meu marido era um pouco negacionista, depois do que eu passei ele mudou o pensamento. Então eu fico triste em ver o quanto tem pessoas que não acreditam e desdenham. Essas pessoas que não têm medo de se contaminar, pelo menos que tenham empatia e respeito pelo próximo.

— É como jogar numa loteria. Tu não sabe se vai ser atingido ou não. É importante que todos se cuidem mas, infelizmente, só quem teve para saber o sofrimento. O problema é que as pessoas estão tratando como se fosse uma catapora ou algo fraco, “deixa eu pegar de uma vez para ficar imune”. Só que não é assim, porque você não sabe se você é a bola vez. E se for você a ficar na UTI e bater na porta do céu? E se for um familiar seu? — conclui a fisioterapeuta Bárbara.

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