Uma vida, duas carreiras desafiadoras. Foi esta a escolha do catarinense Walter Melik Kranz, 63 anos, descendente de austríacos, que nasceu em Treze Tílias, se tornou um alto executivo da Mercedes-Benz e, aos 52 anos, em maio de 2001, retornou para a sua terra natal para realizar o sonho do negócio próprio.
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Estreou como empresário no setor de transportes em 2003 e já evoluiu para o Grupo Kranz, que reúne quatro empresas: Kranz Transportes, Vinícola Kranz, Kranz Alimentos e a Kranz Tecnologia. Os investimentos, a maior parte capital próprio que acumulou como executivo, já somam mais de R$ 10 milhões.
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A linha que liga o sucesso nas duas carreiras inclui sólida educação na infância, disposição para o trabalho, formação técnica, coragem de correr riscos, atenção igual a toda a equipe e conhecimento global. E um diferencial é que a cultura asiática foi integrada à família. Quando foi para a China, em 1996, Kranz estava separado e se casou com uma chinesa, Ao Ruirong, que era sua tradutora. Agora, ela é mãe de dois dos seus seis filhos, sua sócia e executiva na empresa.
A decisão de abrir mão de um cargo importante também visou à criação de oportunidades e transmissão de experiências para os filhos. Dos quatro do primeiro casamento, com Ivone, “que preferiu não morar pelo mundo”, Walter Kranz Filho, o Waltinho, é um dos executivos do grupo, com foco na área comercial. A nora Denise também atua em vendas. As filhas Cristiane, Luciane e Solange, que moram em Campinas (SP), trabalham para a empresa. Richard, 10 anos, e Kathrin, oito, do casamento com Ao, em alguns intervalos escolares, já acompanham as atividades na indústria do pai.
Padrão de qualidade internacional
A lista de produtos da marca inclui vinhos e espumantes de altitude, sucos de diversos sabores embalados a vácuo, sem conservantes, e geleias de frutas, também sem conservantes. A pioneira do grupo, Kranz Transportes, atende à Tirol, a maior empresa de Treze Tílias, no transporte de leite.
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A obsessão pela qualidade da Mercedes, onde o empresário atuou por 32 anos, foi transferida para a empresa. Isso exige muito esforço, e, não raras vezes, o descarte de produtos que não atingiram a qualidade ideal. Mas, também, já trouxe muitas alegrias ao grupo. Entre elas, as premiações aos dois primeiros vinhos da vinícola, o Merlot 2008 e o Cabernet Sauvignon 2008. Outra é a rápida aceitação, pelos consumidores, dos sucos e geleias.
“A vida é muito bonita para uma coisa só”
DC – Por que decidiu deixar a carreira de executivo para se tornar empresário em Treze Tílias?
Walter Melik Kranz – Desde rapaz eu tinha um plano. Com 50 anos, estivesse onde estivesse, iria “quebrar” a trajetória e abrir o meu negócio. Ninguém acreditava, eu, na segunda maior empresa automobilística do mundo, na segunda hierarquia como executivo da companhia, larguei uma posição fantástica, um salário fabuloso, motorista, avião de primeira classe e hotéis luxuosos para fazer o meu projeto. A vida é muito bonita para fazer uma coisa só. Seria uma pena se, quando eu morresse, São Pedro me perguntasse: Kranz, o que você fez lá, naquele mundo bonito? Foi só presidente da Mercedes? É uma questão de filosofia de vida.
DC – Se arrepende da mudança?
Kranz – De forma nenhuma. Eu levei uns cinco anos para desligar a cabeça e me voltar para este outro mundo. Em 32 anos numa empresa dessas você passa a viver para a empresa, ela lhe absorve. Hoje, passaram-se 11 anos, estou me sentindo perfeito. Eu não estou fazendo isso para mim, mas para a família Kranz, estou passando toda a experiência que acumulei para preparar alguma coisa para eles.
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DC – Como foi a sua carreira na Mercedes-Benz?
Kranz – Maravilhosa. Trabalhei muito, muitas vezes 24 horas por dia. De tão preocupado, cheguei a ter três úlceras no duodeno ao mesmo tempo. O médico disse: você bateu o recorde, já vi duas ao mesmo tempo, mas três não. Com 24 anos, eu já era responsável pelo planejamento e implantação da maior e mais moderna fábrica de ônibus da Mercedes no mundo, em Viracopos, Campinas. Minha carreira sempre foi de muito trabalho, mas com muita alegria.
DC – Como avalia o ambiente de negócios no Brasil?
Kranz – Muito difícil, o que é lamentável. Antes de vir para o Brasil, eu e minha esposa fomos ao Bank of China perguntar quanto a gente poderia conseguir para investir. Eles oferecem todo o capital necessário para abrir um novo negócio, com juros de 4,5% ao ano. Aqui os juros são enormes. Procurei apoio no BRDE e perguntaram quanto eu faturei no ano anterior. Como eu teria faturamento se vou investir numa vinícola que vai ter receita quatro a cinco anos depois? Não consegui, mesmo com toda a minha trajetória. Acho que o país sacrifica demais o empreendedor. Eu coloquei tudo o que eu tinha e não tinha, com juros altos, mas confio que vou superar essa fase. Hoje, a minha produção está aumentando muito, mas falta capital de giro. É uma dificuldade enorme. Amo meu país, mas sofro por ele mais do que deveria. O Brasil não está preparado para apoiar empreendedores. Mas uma instituição que ajuda o empresário é o Sebrae. Ele nos ajudou muito, desde o desenvolvimento de rótulo até a assessoria técnica.
DC – Como o Brasil pode competir com os chineses?
Kranz – Isso é complicadíssimo. Na China, se o pai não leva a criança para a escola vai preso. Eles estão preparando os jovens. Há uma enorme quantidade de chineses na universidade. A China não é o que estamos vendo agora. É o que vai vir nas próximas décadas. Lá, a família prepara o jovem, o governo prepara a nação. Nós temos crianças na rua, gente sem educação. O Brasil teria que investir em educação para ser competitivo daqui a uma década ou duas. Nós deveríamos preparar os jovens. O povo é maravilhoso, mas não está preparado para os trabalhos que as empresas necessitam.
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