Mais de 11 anos depois de eclodir em Florianópolis, o caso Samuca – espécie de esquema de pirâmide que lesou muita gente na Capital – ainda repercute em tribunais pelo Brasil inteiro. Por maioria, os ministros da terceira turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiram que a culpa pelo calote não pode ser atribuída ao banco, mas sim ao emitente dos cheques sem fundos (a empresa de Samuca). Com mais essa sentença no STJ, já passam de 50 os recursos julgados pelo tribunal superior sobre o caso que abalou as estruturas da Ilha de SC no final de 2007. Na Justiça catarinense, Samuca hoje responde a 175 processos.

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A última ação no STJ, em dezembro, era movida por pessoas de Florianópolis que entregavam dinheiro a Samuel Pinheiro da Costa, o Samuca, dono da THS Financeira, e recebiam retorno da aplicação com juros de 4% ao mês – muito superiores aos de mercado, que na época não chegavam a 1%. Em 2007, depois de 17 anos de atuação na Capital, a empresa quebrou, deixando centenas de clientes com as contas raspadas em um golpe milionário que marcou a cidade.

O prejuízo dos investidores, que em meados de 2008 estimava-se em R$ 3 milhões – com os juros na época cerca de R$ 100 milhões -, nunca foi exatamente confirmado pelas autoridades – até em R$ 200 milhões chegou-se a falar. Somente dos clientes de Samuca que perderam a ação contra um banco privado na última ação julgada pelo STJ, os valores envolviam quase R$ 500 mil.

Na petição inicial, os autores (clientes da THS) alegaram que seriam consumidores por equiparação do banco que emitiu os cheques e que este seria responsável por reparar os prejuízos decorrentes dos prejuízos que sofreram, já que teria havido ausência de cautela da instituição na liberação indiscriminada de folhas de cheques a seus clientes – a empresa de Samuca.

O juízo de primeiro grau em SC negou os pedidos, mas, em recurso de apelação, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina entendeu que o terceiro tomador de cheque, mesmo sem remuneração direta ou qualquer relação anterior com o banco, caracterizava-se como consumidor, uma vez que utilizava o serviço como destinatário final.

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No recurso especial, a instituição financeira alegou que não haveria relação de consumo com os possuidores dos cheques, já que não teria qualquer vinculação com eles. Para o banco, a ausência de fundos em cheques emitidos pelos correntistas jamais poderia ser considerada falha em um serviço seu.

Voto de ministro foi seguido pelos demais

Para o ministro Villas Bôas Cueva, cujo voto foi seguido pela maioria da terceira turma, não houve defeito na prestação dos serviços bancários, "o que, por si só, afasta a possibilidade de emprestar a terceiros – estranhos à relação de consumo havida entre o banco e seus correntistas – o tratamento de consumidores por equiparação".

Em seu voto, o ministro disse que, ao receber cheque emitido por um de seus correntistas, cumpre ao banco apenas aferir a existência de eventuais motivos para a devolução.

"Verificando o sacado que o valor do título se revela superior ao saldo ou ao eventual limite de crédito rotativo de seu correntista, deve o banco devolver o cheque por falta de fundos".

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Caso Samuca é considerado o maior calote da Ilha de SC

Samuel Pinheiro da Costa é nativo de Florianópolis, nascido e criado na Lagoa da Conceição. Sua empresa, que funcionava na avenida Osmar Cunha, no centro da Capital, faliu em novembro de 2007, quando centenas de clientes começaram a procurar a polícia para relatar o desaparecimento do empresário e o sumiço das aplicações das contas bancárias.

Em 6 de dezembro daquele ano, Samuca foi preso ao se apresentar na Polícia Federal (PF). A prisão aconteceu por crimes contra o sistema financeiro. Permaneceu pouco mais de 40 dias preso na carceragem da PF na avenida Beira-Mar Norte. Foi solto em 29 de janeiro de 2008.

Três meses depois, em abril de 2008, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou o empresário Samuca por crime contra o sistema financeiro. No mês anterior, a empresa THS fechou. A financeira, ao fechar, tinha 17 anos de atuação no mercado na Capital – desde 1991.

Os clientes iam de empresários a aposentados, passando por jovens, profissionais liberais, bancários, advogados e jornalistas, entre outros. Pessoas que investiam com Samuca suas economias, aposentadorias, rescisões trabalhistas e o dinheiro oriundo de qualquer outra transação pessoal ou profissional. Muitos tiveram lucros exorbitantes; outros perderam tudo.

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Em julho de 2008, Samuca teve o processo suspenso na Justiça Federal em troca da prestação de serviços comunitários por quatro anos e o bloqueio de R$ 341 mil. O acordo judicial saiu com base em uma lei que previa penas restritivas de direito quando a penalização que o réu está sujeito é considerada pequena. Com isso, o processo foi suspenso condicionalmente, e Samuca evitou a possibilidade de ser condenado e ir para a cadeia.

Paradeiro de Samuca hoje é um mistério

Desde então, cada vez mais rarearam as notícias do paradeiro de Samuca. Em 2014, diversos cartazes com a inscrição "Samuca, eu não esqueci", e outros questionando "cadê o meu dinheiro, Samuca", foram espalhados por diferentes pontos de Florianópolis e em Balneário Camboriú.

Na cidade do litoral centro-norte, surgiram na época informações de que o empresário teria participado de uma grande festa de casamento da filha, o que revoltou pessoas prejudicadas pelos esquema.

O fato é que atualmente poucos em Florianópolis conhecem o paradeiro de Samuca. Há quem diga que ele está até hoje na Lagoa da Conceição, outros apontam Balneário Camboriú e região como o lugar em que mora, mas a hipótese mais ouvida é que Samuca vive no Paraguai, bem longe da Ilha de SC.

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A reportagem procurou o advogado Péricles Prade, que defendeu Samuca na época do escândalo, mas não o localizou em seu telefone celular.

COMO FUNCIONAVA A APLICAÇÃO

■ Os clientes entregavam dinheiro a Samuel, que repassava um cheque da THS Financeira ( assinado por ele) nominal a pessoa e acrescido de 4% da correção no valor inicial.

■ O cheque poderia ser descontado 30 dias após a aplicação.

■ Os clientes que não descontassem o cheque automaticamente tinham o rendimento acumulado.

■ Geralmente, Samuel fazia a compensação referente a três meses. Ou seja, dava cheques no valor dos 12% do dinheiro e para ser descontado em 60 ou 90 dias.

■ Os juros repassados por Samuel ( 4%) eram bem acima dos do mercado. A caderneta de poupança, por exemplo, rende a taxa referencial ( TR), mais 0,5% ao mês.

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■ Suspeitas levantadas na época apontavam que Samuel fazia o dinheiro render também atuando com empréstimos a quem o procurava e cobrando juros de 6% a 7% ao mês.

■ Samuel também fazia serviços como factoring ao comércio local com juros de 6% a 7%. Nessa operação, uma empresa repassa seus créditos (principalmente cheques pré-datados) a outra que paga um valor menor.