O Conselho Nacional de Justiça está apurando a conduta do juiz Rudson Marcos, da Terceira Vara Criminal, em um caso de estupro a promotora de eventos Mariana Ferrer que teria ocorrido em dezembro de 2018, em Florianópolis. O processo já foi a julgamento e o acusado foi absolvido. Mas o que aconteceu numa das audiências foi duramente criticado nesta terça-feira pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes nas redes sociais.

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Na postagem o Ministro do Supremo Tribunal Federal é taxativo: “As cenas da audiência de Mariana Ferrer são estarrecedoras. O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação” E ainda cobra: “Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram”, diz o ministro em rede social. 

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O ministro se refere à postura do advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho e ao silêncio do promotor Thiago Carriço de Oliveira e do juiz Rudson Marcos durante a audiência. As imagens foram publicadas em reportagem pelo The Intercept Brasil. 

Mariana Ferrer afirma que em dezembro de 2018 foi estuprada durante uma festa num clube em Jurerê Internacional. Na época, ela tinha 21 anos. O empresário André Camargo Aranha foi acusado pelo crime, mas absolvido em setembro deste ano. As únicas imagens recuperadas pela polícia do dia do crime mostram Mariana na companhia do empresário. Ela suspeita qeu tenha sido drogada e, por isso, não sabe exatamente o que aconteceu. A perícia encontrou sêmen e sangue nas roupas dela. O exame toxicológico não constatou álcool ou drogas no sangue de Mariana. 

As investigações concluíram que ele cometeu o crime. Aranha foi então indiciado pela polícia e denunciado à Justiça pelo Ministério Público Estadual. Mas no relatório final do MP, feito depois de ouvir testemunhas e vítima, o promotor afirma que Mariana “estava com as vestes ajeitadas, conseguia acminhar sem socorro e não aparentava estar incapaz de resistir ao interesse do acusado” e que “desse modo não há qualquer indicação do dolo”. Ou seja, não haveria intenção de cometer o crime. 

O promotor cita o Código Penal, que neste caso, ressalva a possibilidade de punição a título de culpa. Ou seja, culposo quando não há intenção de cometer o crime, mas a lei não prevê estupro culposo. E diz que “embora ocorra a violência na perspectiva, o delito não pode ser imputado ao agente”. E finaliza considerando improcedente a denúncia pedindo a absolvição do réu.

Na setença, o juiz afirma que “diante disso, não há provas contundentes nos autos a corroborar a versão acusatória, a não ser a palavra da vítima”. E que como “as provas acerca da autoria delitiva são conflitantes em si, não há como impor ao acusado a responsabilidade penal, pois, repetindo um antigo dito liberal, melhor absolver cem culpados do que condenar um inocente”. 

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No vídeo da audiência, que veio à tona nesta terça-feira, o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, que defendia o empresário, usa imagens postadas pela vítima em redes sociais e diz:

– Esta foto aqui foi extraída de um site de um fotógrafo onde a única foto chupando dedinho e com posições ginecologicas é é só dela. Está manipulada e tudo.

A vítima, Mariana Ferrer responde:

– Muito bonita por sinal, o senhor disse, né? Cometendo assédio moral contra mim. O senhor tem idade para ser meu pai, tinha que se ater aos fatos. 

O advogado responde:

– (Inaudível) … uma filha do teu nível, graças a Deus. E também peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher que nem você.

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Mariana se defende:

– Mas eu estou de roupa, não tem nada demais mesmo. 

O advogado rebate:

– Mas porque você apaga as fotos, Mariana? E só aparece essa sua carinha de choro. Só falra uma auréola na cabeça. Não adianta vir com teu choro dissimulado, falso, lágrimas de crocodilo. 

O promotor Thiago Carriço de Oliveira não intervem. Apenas pergunta se ela precisa te um tempo para se recompor. 

Mariana apela ao juiz Rudson Marcos, da terceira Vara Criminal:

– Eu gostaria de respeito, doutor, excelentíssimo. Eu estou implorando por respeito no mínimo. Nem os acusados, nem os assassinados são tratados da forma que eu estou sendo tratada. Pelo amor de Deus, gente. 

Em nota, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina disse que não se manifestaria sobre o processo em si porque ele corre em segredo de justiça. A seção catarinense da Ordem dos Advogados do Brasil afirma que recebeu denúncias sobre a conduta do advogado e pediu esclarecimentos, mas não confirma se abriu algum procedimento.

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Também em nota, o Ministério Público disse que não é verdadeira a informação de que o promotor de Justiça manifestou-se pela absolvição de réu por ter cometido “estupro culposo”, tipo penal que não existe no ordenamento jurídico brasileiro. O Ministério Púbico afirma que o promotor interveio em favor da vítima em outros momentos da audiência e que a absolvição se deu por falta de provas e que sempre combateu as práticas de violência sexual de forma rigorosa. 

Em nota complementar à reportagem o Intercept afirmou qeu jamais informou que a expressão “estupro culposo” foi usada no processo, mas que a expressão foi uutilizada na reportagem para resumir o caso e explicá-lo para o público leigo. 

O advogado da defesa, Cláudio Gastão da Rosa Filho, emitiu uma nota oficial nesta quarta-feira. Alegou que “a audiência foi tensa e os embates entre a defesa e Mariana foram constantes e longos. Disse: “Mariana mencionou as minhas filhas menores e aspectos pessoais da minha vida, algo que raramente é feito pela parte de um processo em relação a um advogado que nele atua”. Afirmou que as dinâmicas entre acusação e a defesa, especialmente em casos mais complexos, abrangem aspectos relacionados a hábitos, perfis, relacionamentos e posturas das pessoas envolvidas. Por isso, garante que fez indagações a Mariana a respeito desses pontos. “Isso fazia parte do que estava em discussão nos autos e é decorrência do direito à defesa e da busca da verdade”, garantiu. Ele deixou claro que “repudia qualquer forma de agressão ou violência física ou moral contra a mulher”. 

A OAB/SC informou que recebeu as denúncias e está dando sequência “aos trâmites internos” para oficiar o advogado, para que ele preste esclarecimentos à entidade. A OAB informou também que acompanha esse tipo de situação através da Corregedoria.

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A Associação dos Magistrados Catarinenes (AMC) informou que o juiz Rudson Marcos não irá se manifestar sobre o caso.