A medida que os móveis eram retirados de dentro das casas, funcionários da prefeitura já começavam a demolição das palafitas da Ponta do Leal, comunidade localizada às margens da Beira-Mar Continental, em Florianópolis. Das famílias que moram no local, 76 irão se mudar para o condomínio de mesmo nome, localizado a poucos metros da comunidade, que reúne um total de 88 apartamentos.
Continua depois da publicidade
Porém, o número exato de famílias que não terão direito ao programa “Minha Casa, Minha Vida”, do qual o residencial faz parte, ainda é incerto. A assistente social da prefeitura, Kelly Cristina Vieira, que coordenou o processo na manhã de ontem, afirma que dez não irão se mudar neste primeiro momento: cinco porque não atenderam aos critérios estabelecidos pelo programa e outras cinco que estão em processo de apresentar a documentação necessária para obter o direito à moradia no condomínio.
— Cinco famílias ainda estão discutindo questões burocráticas para comprovar que moravam na comunidade, e junto com o Ministério Público vamos fazer a análise dos documentos. Se eles comprovarem estarão dentro do condomínio — esclareceu Kelly em entrevista à CBN Diário.
No entanto, moradores afirmam que cerca de 20 famílias não fazem parte da listagem que definiu quem teria direito ao apartamento, que será pago pelos moradores por meio de prestações subsidiadas (cada proprietário irá pagar 10% do valor total do imóvel).
A família de Tauane Moncks, de 18 anos, é uma das que hoje moram na comunidade, mas não estão incluídas no conjunto habitacional. Ela afirma que reside há 10 anos no local e o companheiro, com quem vive na pequena casa às margens da baía junto do filho de 2 anos de idade, há 28 anos.
Continua depois da publicidade
— Eles falaram que a gente só fez casa para ganhar o condomínio, mas como se eu moro aqui há uma década já? — questiona.
Tauane diz que reuniu documentação desde 1997 comprovando que a família já morava na casa de palafitas. Agora, conta com a ajuda Defensoria Pública para conseguir ser inserida na lista dos moradores autorizados a se mudarem para o apartamento. Com renda familiar de R$ 1,4 mil, alega não ter condições de bancar um aluguel na região, algo em torno de R$ 800.
Conforme a prefeitura, apenas famílias que moram no local em período anterior a 2013 terão direito ao apartamento. Um aluguel social deve ser oferecido às famílias não serão incluídas no residencial. No entanto, a jovem diz que até o momento não recebeu nenhuma orientação de como isso será feito na prática.
A jovem explica que além da incerteza do futuro, sobre onde irá morar caso seja retirada do imóvel, há também a preocupação em relação à situação das casas de quem vai permanecer após as mudanças.
Continua depois da publicidade
— Demolindo uma, compromete todas, porque são palafitas. É capaz de cair tudo — diz, aos prantos.
Tauane ainda afirma que os moradores que ficaram de fora da listagem não foram notificados previamente sobre o processo de mudança e demolição.
Futuro é incerto para alguns moradores
O futuro do pescador Izaías Carvalho, 43, ainda é incerto. Apesar de ter morado no local "desde sempre", seu nome não saiu na listagem final dos moradores autorizados a se mudarem para o condomínio.
— Agora tô correndo atrás da documentação. Fui no posto de saúde, peguei assinatura dos moradores dizendo que sempre morei aqui, vou entregar tudo para a prefeitura.
A justificativa dada a ele foi de que a renda ultrapassava o teto estabelecido pelo programa.
— Ano passado a prefeitura esteve aqui perguntando quem morava na casa e quanto ganhava por mês cada morador. Na época, minha filha tinha vindo morar comigo por uns meses até conseguir outro lugar. A renda dela acabou incluída na soma, mas já faz seis meses que ela não mora mais aqui — explica.
Continua depois da publicidade
Inicialmente, a renda atribuída ao pescador foi de R$ 2.270. No entanto, atualmente Izaías e a companheira vivem com em torno de R$ 1.600, salário que está de acordo com o critério de renda estabelecido.
— Quando eles vieram fazer esse levantamento, não disseram que seria relacionado a esse programa de habitação. Se eles tivessem informado, eu teria explicado que ela [a filha] só estava ali temporariamente.
A esperança, conforme ele, é que a situação seja regularizada o mais rápido possível para que ele possa se mudar para o residencial, já que fica perto do local onde mora e trabalha.
— Eu acordo todo dia bem cedo pra pescar, esse é o meu trabalho, é assim que eu consigo sobreviver. Eu preciso morar aqui para poder continuar trabalhando. Se me tirarem daqui para morar no condomínio vai ser bom, porque é perto, o que eu não posso é sair daqui da Ponta do Leal, senão como é que vou trabalhar? — diz, apontando para o rancho, em frente à casa onde mora, no qual ficam os dois barcos que o pescador uso no dia a dia.
Continua depois da publicidade
De acordo com a defensoria pública, não foram incluídas as famílias com renda superior ao estipulado pela Justiça (dois casos), contempladas em programas habitacionais anteriores (quatro famílias) e as que ainda não comprovaram que já residiam no local ou formavam um núcleo familiar antes de 2013.
Os casos estão sendo atendidos pelo defensor regional de direitos humanos de Santa Catarina, Célio Alexandre John.
“O defensor solicitou que os integrantes destes núcleos familiares apresentem documentos para que seja possível a comprovação de sua regularidade à Prefeitura Municipal de Florianópolis ou para o ajuizamento de ação, se for verificado o direito dos moradores, caso a caso”, diz nota.
"Nem quero estar perto quando começarem a demolir", diz morador beneficiado
A pequena casa de madeira de Luiz Derbi dos Santos, reformada com muito sacrifício ao longo dos 13 anos que vive no local, seria derrubada. Foi na noite de terça-feira que ele ficou sabendo que teria de se mudar no dia seguinte. Até então, a mudança estava programada para acontecer na próxima segunda-feira, dia 25.
Continua depois da publicidade
Apesar de estar feliz com a mudança, lamenta por ter de deixar para trás tudo que construiu.
— Quando eu comprei a casa, tinha só um cômodo. Foi tudo eu que construí. Essa parede aqui (diz apontando para a cozinha) fui eu mesmo que fiz. Aos poucos a gente vai melhorando, se ajeitando. Quando eu sair, nem quero olhar pra trás porque sei que vai ser dolorido quando começarem a derrubar — contou à reportagem pela manhã.