Paredes erguidas há décadas foram tomadas pelas sombras, enquanto a vizinhança alcançava o céu. Em meio à profusão de edifícios que toma conta da Avenida Atlântica, em Balneário Camboriú, casas resistiram à passagem do tempo e ao apelo da construção civil. São apenas sete residências, em seis quilômetros de praia, num dos endereços mais cobiçados e caros da região _ um privilégio que fez delas pontos de visitação.

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Não raro, turistas param em frente às residências para fotografá-las. Das sete, pelo menos três têm cercas e muros baixos e um ar retrô, lembrança do tempo em que raras não eram as casas, mas os edifícios.

_ Nossa vizinhança era cercada de casas. A maioria, de pessoas que vinham de Brusque ou Blumenau para passar o verão em Balneário Camboriú. Com o tempo, muitos acabaram trocando os terrenos por apartamentos _ conta Lio César de Macedo, dono de uma vistosa casa de madeira branca e vermelha construída em 1956, de frente para o mar.

Macedo comprou a casa na década de 70 para o lazer da família, que vive em Itajaí. Saudoso, lembra de quando a Avenida Atlântica não passava de uma estrada de terra e os terrenos eram povoados de lagartos, que assustavam os desavisados.

Com o passar dos anos, os prédios avançaram _ e aumentaram as propostas e os valores oferecidos à família em troca do terreno. Macedo prefere fazer segredo quanto ao montante das ofertas, mas diz que não pensa em se desfazer da casa. Nem ele, nem os filhos e netos:

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_ Temos o privilégio de ficar na beira da praia, sem estarmos engaiolados _ diz o filho, João Macedo Neto.

Plano diretor mudou vocação da Barra Sul

Engenheiro e secretário de Planejamento de Balneário Camboriú por duas vezes, Auri Pavoni explica que a maioria das casas que sobraram _ seis, das sete _ estão na Barra Sul, como a que pertence a Macedo. Não eram permitidos prédios altos ali até a revisão do plano diretor, há cerca de sete anos.

A mudança de vocação do bairro trouxe, além dos arranha-céus, o fim da vida pacata. Dono de uma residência ao lado de uma das casas noturnas mais conhecidas da Barra Sul, o blumenauense Sérgio Ivan Margarida experimentou nos últimos anos barulho e transtorno no trânsito, em frente à casa onde costumava descansar aos finais de semana.

_ Tornou-se impossível manter uma casa na Avenida Atlântica. A perturbação do sossego é algo que deveria preocupar mais o poder público, principalmente em zonas residenciais. É um progresso que não acho que seja inteligente _ diz.

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Últimos moradores não pensam em sair da Atlântica

Em meio a um paredão de prédios, o sobrado azul de Délia Horn, 69 anos, permanece intacto. A casa, onde ela vive desde a década de 80, é a única remanescente no Pontal Norte. Nos últimos anos, a proprietária desocupou o andar térreo e alugou o espaço para um restaurante. Com vista para toda a orla de Balneário Camboriú e renda garantida, ela não vê motivos para deixar a casa.

_ É um privilégio morar aqui. Estou de frente para a praia e perto do Centro. Já não existem mais casas, venderam tudo ao meu redor _ diz Délia.

Ela só deixaria o sobrado, onde vive com o filho, se tivesse uma proposta irresistível. O assédio existe, e é forte: os terrenos ao redor da casa já foram vendidos. Nos últimos quatro anos, Délia diz que foi procurada por construtores pelo menos 30 vezes _ mas sempre disse não.

_ Vou sair daqui por quê?

Dono da casa mais nova da Avenida Atlântica, na esquina com a Rua 4.400, João Aparecido Lago revela que prefere nem ouvir as propostas de compra do terreno. Desde que se mudou para a residência, há 12 anos, ele vem driblando o assédio.

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_ Casa é muito diferente de apartamento. A liberdade que tenho aqui não tem preço _ garante.

Terrenos são raros e valem milhões

As cifras que envolvem as últimas casas da Avenida Atlântica chegam a milhões. Um dos endereços mais cobiçados pelos endinheirados custa uma média de R$ 20 mil por metro quadrado. Na prática, porém, prevalece a lei da oferta e da procura _ com poucos terrenos disponíveis, quem oferece mais, leva.

_ O espaço na Atlântica é tão raro, que não tem mais preço. Quem tem, pede o que quiser _ diz Auri Pavoni, por duas vezes secretário de Planejamento de Balneário Camboriú.

Milton Silveira, delegado do Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci), diz que tudo depende do que se pode construir na área:

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_ Os apartamentos na Avenida Atlântica variam de R$ 2,5 a 10 milhões. Se for um terreno grande, onde há possibilidade de construir até 50 apartamentos, vale muito.

Pelo menos uma das seis casas que permanecem em pé está com os dias contados. A mansão que pertenceu à família Tedesco, com gramado e piscina de frente para o mar, foi vendida há quatro anos para a construtora FG.

A empresa não revelou quando deve iniciar obras no local _ o terreno faz parte de uma reserva de espaço mantida pela construtora para os próximos 15 anos.