Desde que uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) permitiu, em 2013, o casamento homoafetivo, cartórios de Santa Catarina têm registrado as uniões. Os dois primeiros anos foram tímidos: nas contas da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg), 34 casais formados por dois homens e 37 formados por duas mulheres juntaram oficialmente as escovas de dentes no período. Mas em 2015 o aumento foi exponencial: o Estado catarinense reconheceu a união de 349 casais gays, segundo o estudo Estatísticas do Registro Civil 2015, divulgado ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

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São 210 uniões legais entre homens e 139 entre mulheres, o que faz com que Santa Catarina fique entre os cinco Estados no ranking brasileiro com mais registros de casamentos entre pessoas do mesmo sexo, à frente, inclusive, de Paraná e Rio Grande do Sul. O casal Thiago Ibagy e Paulo Zunino, ambos com 29 anos, incorporou a estatística em maio deste ano em uma cerimônia religiosa com efeito civil para 103 pessoas. A festa realizada em um hotel em Jurerê Internacional coroou o primeiro encontro que os dois tiveram cinco anos antes em uma festa em Balneário Camboriú.

– Procuramos o casamento porque queremos ter os mesmos direitos que os casais heterossexuais. É questão de exercício da cidadania. E também porque queremos adotar uma criança, aí é mais fácil – explica Thiago, enquanto o cônjuge complementa:

– Sempre quis casar e ter festa. É o compartilhamento de um sonho – pontua Paulo.

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Reflexo da popularização da resolução e da acessibilidade aos cartórios, o crescimento dos registros no Estado demonstra aumento da garantia do princípio da dignidade, conforme a vice-presidente da Anoreg em SC, Liane Alves Rodrigues.

– Um casal precisa de reconhecimento perante a sociedade e de publicidade da relação, que são garantidos no casamento. Eles também querem o acontecimento social da cerimônia, que difere da união estável. Casamento é a forma com que o Estado melhor protege a família. A tendência é que esses números aumentem – diz.

Divergências emperram andamento do processo

Por mais que apresentem crescimento, o número de uniões legais entre pessoas do mesmo sexo ainda é ínfimo se comparado àquele entre pessoas de sexos opostos: 349 contra 32.820 em 2015, conforme o IBGE.

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A Corregedoria-Geral da Justiça em Santa Catarina reforçou a recomendação do CNJ ao editar uma norma que também permite a oficialização do casamento de pessoas do mesmo sexo no Estado. Nos primeiros 15 dias da formulação do documento, em abril de 2013, o Estado registrou a realização de oito casamentos homoafetivos. Nenhum deles passou pelo crivo do promotor Henrique Limongi, que barrou todos os pedidos que chegaram à sua mesa.

Por meio da assessoria de comunicação do Ministério Público de Santa Catarina (MP-SC), o fomentador da 13a Promotoria de Justiça da Comarca da Capital, que não quis conversar com a reportagem, explicou que barra os documentos por questões jurídicas. Limongi diz ser seguidor da linha conhecida por legalista, que se restringe à legislação: como não há uma lei que regulamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, ele recomenda que o juiz negue a união.

A negativa nunca acontece, segundo a presidente da Comissão de Diversidade Sexual da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SC), Margareth Hernandes, que lembra, inclusive, que o promotor catarinense já foi advertido pelo Conselho Nacional do MP — a informação foi negada pelo promotor a partir da assessoria de comunicação na manhã desta sexta-feira. A advogada lembra que, apesar do caráter opinativo e não decisivo do parecer, esse tipo de postura atrasa o desenvolvimento.

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– Não temos legislação nenhuma a respeito do direito homoafetivo porque temos um Congresso conservador, mas temos decisões judiciais. Em 2011, a união estável entre pessoas do mesmo sexo nasceu de uma interpretação do Supremo Tribunal Federal do artigo 226 parágrafo terceiro. Ali trata de casamento entre homem e mulher, mas não veda o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A sociedade está mudando. As leis têm que acompanhar as mudanças – diz Margareth.

A UNIÃO HOMOAFETIVA

O que diz a lei?

A resolução nº 175 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) proporciona aos casais os mesmos direitos do casamento convencional, como inclusão em plano de saúde, pensão alimentícia e divisão dos bens adquiridos. Antes da equiparação, os casais precisavam ingressar na Justiça para que suas uniões fossem reconhecidas. No entanto, a Constituição Federal ainda não dispõe de lei específica, e trata como família aquela composta por um homem e uma mulher.

Como realizar o casamento homoafetivo?

Para dar entrada ao processo de casamento, é necessário apresentar a certidão de nascimento atualizada (ou de casamento constando divórcio ou viuvez), o documento de identidade, e comprovante de residência dos interessados, além de duas testemunhas. Os noivos podem escolher o regime de bens e incluir o sobrenome um do outro nos documentos.

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Qual é a diferença entre casamento e união estável?

Basicamente o aspecto social da cerimônia. Os direitos são praticamente os mesmos: facilidade de adoções de crianças, reflexos patrimoniais e sucessórios, inclusões em planos de saúde e previdência.

Outras curiosidades sobre as Estatísticas do Registro Civil 2015

O levantamento traz informações a respeito de nascimentos, mortes e casamentos, por exemplo, como resultado da coleta das informações prestadas pelos cartórios de registro civil de pessoas naturais, varas de família, foros ou varas cíveis e os tabelionatos de notas do país. Veja os principais dados relacionados a Santa Catarina:

— Óbitos de jovens entre 15 e 24 anos por causas violentas (acidentes de trânsito, afogamentos, suicídios, homicídios, quedas acidentais) tiveram redução. Entre os homens, a queda foi de 10% e, entre as mulheres, 20%, ambos na faixa de 15 a 24 anos;

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— A mortalidade infantil continua caindo: os óbitos de crianças com até 1 ano de idade passaram de 3,24% do total de óbitos registrados em 2005 para 2,38% em 2015. Na faixa até 5 anos, essa participação caiu de 3,93% para 2,74%.

— Houve crescimento de 3,85% nos registros de nascimentos entre 2014 e 2015;

— O percentual de registros tardios (feitos até três anos após o nascimento) caiu de 6,15% (2003) para 0,86% (2012);

— O número de mães com idade entre 30 e 39 anos aumentou de 29,01% em 2010 para 33,8% em 2015;

— O crescimento percentual de casamentos entre pessoas do mesmo sexo foi praticamente o mesmo do que entre homens e mulheres em 2015. Foram 349 casamentos entre pessoas de sexos opostos e 32.820 entre pessoas do mesmo sexo;

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— Em 2015, houve queda no registro de divórcios concedidos em primeira instância ou por escrituras extrajudiciais, passando de 12.545, em 2014, para 11.634 divórcios, uma queda de 7,26%;

— A guarda compartilhada cresceu de 9,33%, em 2014, para 14,95% em 2015.

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