Um político que dividia opiniões, mas que não fugiu de polêmicas e esteve presente em importantes capítulos da história política do Brasil no século 20. Leonel de Moura Brizola, ex-governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, teve papel de destaque em momentos como a Campanha da Legalidade, na defesa de posse do então vice-presidente João Goulart, e também em episódios como a histórica campanha presidencial de 1989, a primeira com voto direto após o fim da ditadura militar. A morte do político gaúcho completa 20 anos nesta sexta-feira (21).
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A trajetória de líder partidário trouxe Leonel Brizola por diversas vezes a Santa Catarina. Muitas das agendas eram para participar de comícios nas principais cidades catarinenses.
FOTOS: Relembre a trajetória de Leonel Brizola e visitas feitas a SC
Em 1982, na primeira eleição direta para governador desde o início da ditadura, o recém-criado PDT teve Brizola como candidato ao governo do Rio de Janeiro e lançou candidatura também ao governo de Santa Catarina. A concorrente foi a ex-deputada Lígia Doutel de Andrade, esposa de um dos fundadores do partido.
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Em uma vinda para comícios no Estado, Brizola foi recebido por um dos fundadores do partido e fiéis escudeiros dele em SC, Manoel Dias. Os dois receberam aliados em um apartamento de um familiar de Manoel na praia de Canasvieiras, no Norte da Ilha, em Florianópolis.
Vinte anos sem Brizola: Ex-governador resistiu a golpe e inspirou políticos em SC
O dirigente conta que durante a madrugada, depois que os colegas de partido foram embora, a desconfiança e o medo de atentado sentido por Brizola começou a falar mais alto. O ex-governador gaúcho começou a insistir em ir embora do apartamento.
— Era inverno, não tinha muito movimento. Ele começou a olhar em volta, via tudo e escuro, e dizia: “Ó, Manoel, isso aqui é perigoso… — relembra o ex-presidente do PDT de SC.
Não teve jeito. O catarinense até tentou tranquilizá-lo dizendo que o governo da época havia reforçado a segurança e o policiamento do local, mas Brizola resistiu. “Esses é que são perigosos…”, teria dito o ex-governador gaúcho, que não quis passar a noite no Norte da Ilha.
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— Não quero mais ficar aqui, não. Vamos embora, vamos pra tua casa — relembra Manoel.
Os dois retornaram, então, para o apartamento de Manoel, no quinto andar de um prédio no Centro de Florianópolis. Na manhã seguinte, quando acordou e saiu do quarto, o filho de Manoel, Rodrigo Dias, à época com apenas 12 anos, foi surpreendido com o então ilustre Leonel Brizola na mesa de casa, tomando café da manhã. Passado o susto, ele ainda conseguiu puxar conversa com o visitante.
— Lembro que na revista Veja saíam toda semana as pesquisas para governador em vários estados, e o Brizola aparecia lá atrás. Eu disse para ele: “Mas o senhor acha que vai ganhar mesmo? O senhor está em terceiro lugar na pesquisa…”. Ele me olhou e disse: “Pode deixar, fica tranquilo, que com a ajuda do teu pai, de todos, vou ser governador”. Ele podia até estar blefando, mas o jeito que ele falou aquilo me impressionou. Porque depois, de fato, teve o caso Proconsult, o escândalo, e ele venceu — recorda Rodrigo Dias.
Veja fotos da trajetória de Brizola e visitas a SC
Vinho no Mercado Público
Outra visita curiosa de Brizola a Santa Catarina ocorreu em 2002. Durante uma viagem ao Estado para participar do casamento de um neto, em Imbituba, Brizola quis conhecer o Mercado Público de Florianópolis. No local, visitou o tradicional Box 32. O chef Beto Barreiros lembra com detalhes do dia e diz que o político foi um dos que mais levaram público em uma visita ao local. Uma foto do ex-governador gaúcho durante a visita está pendurada até hoje na parede do estabelecimento.
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Beto Barreiros conta que Brizola tomou uma taça de vinho e pediu ajuda a ele para “disfarçar” e ajudar o político a poder desfrutar do momento.
— Ele contou sobre o período do exílio, que ele sofreu muito com a família, e que depois que se tornou governador do Rio de Janeiro, começaram a vir amizades antigas, dizendo que estavam com saudade. E ele dizia: “Que tal nos reencontrarmos daqui a mais 25 anos? — relembra Beto.
Presença no Vale
Em 1984, durante a campanha “Diretas, Já”, Brizola também esteve em Santa Catarina. O jornalista e empresário Sílvio Rangel, candidato a vice-governador na chapa do PDT de 1982, lembra de um ato na Rua XV de Novembro, em Blumenau, que teria reunido um grande público em defesa das eleições diretas para presidente, bandeira que também teve Brizola como um nome de relevância na mobilização nacional. As eleições presidenciais diretas só se tornaram realidade em 1989, com o nome de Brizola entre as opções na urna.
O atual deputado estadual Napoleão Bernardes (PSD) é filho de Acácio Bernardes, advogado criminalista que foi uma das principais lideranças do PDT no Vale do Itajaí. Embora ainda fosse criança na época, ele conta que o pai sempre recebia Brizola ou ia até Florianópolis para encontrar o político gaúcho nas visitas dele ao Estado.
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— Eles tinham grandes afinidades e uma relação estreita. Era uma época de uma política menos pragmática e mais idealista, de quando as pessoas tinham gosto por fazer partido. Meu pai era advogado, profissional liberal, pegava o carro dele e viajava o Estado inteiro nessa história de “fazer partido”, por uma ideia de convicção, de idealismo — recorda.
As referências a Brizola em Santa Catarina também ocorrem por meio de espaços de educação no Vale do Itajaí. Em 1991, o político gaúcho esteve em Balneário Camboriú para inaugurar a primeira escola de SC no modelo de Centro Integrado de Educação Pública (Ciep), adotado por Brizola no governo do Rio de Janeiro. A inauguração do espaço ocorreu durante a gestão do então pedetista Leonel Pavan. A construção foi desativada em 2022 por problemas na estrutura.
Em 2018, uma escola de tempo integral com o nome de Leonel de Moura Brizola foi inaugurada em Bombinhas. O espaço foi aberto durante a gestão da então prefeita Paulinha (hoje no Podemos), à época também filiada ao PDT de Brizola. A educação e os modelos de escola em tempo integral foram as principais bandeiras do político gaúcho.
— Ele [Brizola] tinha essa defesa por uma educação forte, se dizia um menino salvo pela educação. Então, inspirou o nome da escola, que é totalmente diferente, universal, recebe todos os alunos do 6º ao 9º ano do município, com oficinas, cozinha-escola, robótica, ensino bilíngue — destaca a ex-prefeita e hoje deputada estadual.
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Entre as vindas de Brizola a SC está também uma palestra em Bombinhas, na década de 1990. Paulinha conta que após semanas buscando apoio de empresas para custear um evento do antigo partido, ela recebeu na véspera a notícia de que o político gaúcho não poderia mais comparecer. Pressionada depois de anunciar a presença do líder do partido, não teve dúvida: começou a fazer ligações para familiares de Brizola. Encontrou-o na casa de um vizinho de uma fazenda em que o gaúcho ficava no Uruguai.
— Minha menina, se tu te deste ao trabalho de me achar aqui no Uruguai, vou ter que ir a esse evento. Diga ao povo que irei — respondeu Brizola, após o apelo de Paulinha.
No dia seguinte, o pedetista conseguiu um avião para vir a SC e comparecer à palestra aos jovens pedetistas em Bombinhas.
Susto na Serra
Outra agenda da cúpula do PDT em SC com Brizola teve aventuras pelo caminho. O ex-governador gaúcho foi até Criciúma para uma entrevista em uma emissora de TV. Em seguida, partiriam de avião para Lages, para ganhar tempo. Mas no meio da agenda a aeronave passou a não estar mais disponível, e a viagem teve que ser feita de carro.
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— Chegando em São Joaquim, naquelas curvas, com “areião”, o carro [se perdeu e] ficou pendurado na beira de um penhasco. Sorte que tinha uma árvore, e o carro ficou ali seguro pela árvore. Mas ninguém podia se mexer, porque se mexesse, caía. Um homem que estava passando viu aquilo, pediu ajuda e conseguiram aguentar o carro. Não morremos aquele dia por milagre, porque não estava na hora — relembra Manoel Dias.
Comício de 1989 em Florianópolis
Mas o principal ato de rua com a presença de Brizola em SC ocorreu justamente na campanha presidencial de 1989. Cinco dias antes do primeiro turno das eleições, em 10 de novembro, Brizola reuniu uma multidão em um comício na Praça XV, no Centro de Florianópolis. Foram 30 mil pessoas segundo o PDT e 15 mil conforme a Polícia Militar, de acordo com reportagem do Jornal do Brasil à época. Imagens na internet mostram eleitores com bandeiras do político e o do PDT. Há também trechos do discurso, em que o ex-governador gaúcho critica políticos que apoiaram o regime militar e defende ideias como ensino em tempo integral.
Brizola foi o candidato mais votado em SC na corrida presidencial de 1989, com 26% dos votos (632 mil votos), à frente de Collor (23%) e Lula (10%). No entanto, ficou de fora do segundo turno por uma diferença de 450 mil votos no país em relação a Lula. Terminou em terceiro lugar, o melhor desempenho dele nas disputas a presidente.
Conduzindo senhor Brizola
Brizola também esteve no Estado em comícios e agendas na reta final da trajetória política. Em uma dessas situações, o político teve viagens mais tranquilas, com direito até a um motorista de luxo. O hoje deputado estadual Rodrigo Minotto (PDT), que ainda iniciava a carreira política, recebeu do então prefeito de Forquilhinha um pedido para transportar Brizola em visitas a cidades do Sul, como Criciúma, Araranguá e Balneário Gaivota.
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Minotto aceitou a missão e serviu de motorista ao ex-presidenciável. Percorreu as cidades do Sul de SC com Brizola no banco do carona, e Manoel Dias, o ex-deputado Fernando Coruja e o atual ministro da Previdência, Carlos Lupi, no banco de trás do carro.
— Foi uma coisa marcante porque meu apelido naquele fato tornou-se Brizola. Eu passei no bairro em que eu morava, o pessoal me viu, e para fazer propaganda, dizer que eu estava com Brizola, eu buzinava. As pessoas viram ele do lado e começaram a me apelidar de Brizola. Foi uma experiência única — relembra Minotto, que destaca a firmeza e o posicionamento político do ex-governador gaúcho como virtudes que se mantém vivas ainda hoje no partido que ele integra.
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