O casal Sadoque José Passaura, 93 anos, e Urana Maria de Jesus, 91 anos está prestes a comemorar uma façanha: no dia 20, os dois completam 70 anos de casamento, de amizade e companheirismo e de um amor para a vida inteira. Mas as lembranças, melhores provas sentimentais de fatos vividos, amigos, bons e maus momentos, estão se apagando. Toda uma vida que se fecha, aos poucos. Há dois anos, todos os dias, um pedacinho destes momentos vai embora. O casal que viveu junto, que sofreu junto e foi feliz, também vai esquecer junto toda a história. São mais de 24 meses em que os dois estão enfrentando uma doença que pode atingir mais de 50% dos idosos acima de 90 anos: o mal de Alzheimer.

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A doença, no caso de Sadoque, está em estado mais avançado. Ele descobriu a doença em 2010. Ainda lembra da mulher, dos filhos, de alguns fatos… mas já esqueceu do lugar em que vive agora, no bairro Aventureiro. Pede para voltar para casa e chora a todo instante. A família não sabe se é por causa das recordações que consegue manter ou se é pelo esquecimento.

Urana, que foi diagnosticada há pouco mais de um ano, ainda consegue movimentar o pensamento num vaivém na memória. No caso dela, o Alzheimer também está castigando o corpo. A doença começou a dar pitacos nas lembranças, mas foi ainda mais agressivo com a parte do cérebro responsável pelos movimentos. Da mulher agitada, incansável, ficaram apenas as recordações, que em poucos meses ou anos, não terão mais.

No próximo dia 20, Sadoque e Urana – de nomes incomuns, de uma vida sem igual e de um amor resistente, segundo os familiares – receberão o carinho da família numa comemoração pelos 70 anos de casados. Pode ser o último aniversário em que lembrarão um do outro. Uma história digna de filme ou de livro. Parece até um acordo. Se for para um esquecer e o outro levar as lembranças sozinho, os dois “resolveram” apagar juntos, dia após dia, do mesmo jeito como as construíram. Sem pressa, sem obrigações. Apenas estando lado a lado quando acontecer.

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Mas vai chegar o dia em que os olhares eternos, carinhosos, não irão mais se reconhecer. Não é possível saber se um amor tão intenso, e que ainda gera ciúmes aos 90 anos, poderá resistir a este golpe, a este apagar de memória diário, sem chance de backup. Em meses ou anos, Sadoque e Urana serão apenas estranhos um para o outro.

Se não fosse pelos filhos e netos, os laços entre um e outro, depois de uma vida inteira, seriam rompidos. Será que a essência de tudo esta na memória? Nem o casal poderá dizer depois de passar por este processo de deletar definitivamente os lugares, as experiências e as pessoas.

Um vida de luta

Importância da família