A carta do presidente Jair Bolsonaro em que ele baixou o tom das críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF) após as manifestações de 7 de setembro traz alguns “escorregões” na chamada norma padrão da Língua Portuguesa.
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Após a divulgação da nota, que teve apoio do ex-presidente Michel Temer (MDB) e foi publicada na quinta-feira (9), postagens em redes sociais apontaram o que seriam erros de português na carta assinada por Bolsonaro.
A reportagem do Diário Catarinense consultou a doutora em Linguística Ana Paula Kuczmynda da Silveira para analisar a carta divulgada pelo presidente.
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Pelo menos oito trechos apresentam o que ela chama de desvios da variante padrão da Língua Portuguesa. Outros dois pontos chegaram a ser assinalados em uma publicação nas redes sociais, mas são casos aceitos pela norma culta do idioma.
A professora explica que embora a língua comporte variações que vão além da norma culta, considerando até mesmo aspectos sociais, regionais e do espaço de uso, quando se trata de comunicações oficiais, a expectativa é sempre de que seja utilizada a variante padrão – aquela ensinada na gramática normativa.
– Ainda que a gente esteja pensando em diversos espaços de circulação dessa nota, como ela não é uma nota assinada pela pessoa física, que pudesse utilizar outra variante, mas sim pela pessoa investida do cargo, a gente imagina que vá se seguir a variante padrão – afirma.
As situações mais graves citadas pela especialista são de regência verbal, concordância nominal e a separação de sujeito e verbo por vírgula. Outros casos, como o uso de vírgulas, também foram citadas pela professora, mas costumam ser alvos mais frequentes de dúvidas ou questionamentos.
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– A gente evita purismos, mas a questão é essa: uma coisa é a pessoa que, no seu Facebook, no seu Instagram, pode fazer um registro mais coloquial. Outra coisa é uma pessoa investida do cargo, de quem se espera que seja utilizada a variante padrão – completa.
Leia na íntegra a carta de Bolsonaro à nação
Veja oito pontos da carta de Bolsonaro que escapam da norma padrão
1. Uso da vírgula
“No instante em que o país se encontra dividido entre instituições é meu dever, como Presidente […]”.
A primeira frase da carta tem com uma oração com indicação temporal (“No instante em que o país se encontra dividido entre instituições”) que está no início da frase. Por isso, a oração deveria estar separada por vírgula do restante da sentença, da seguinte forma:
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“No instante em que o país se encontra dividido entre instituições, é meu dever, como Presidente […]”.
2. Uso da vírgula
“Mas na vida pública as pessoas que exercem o poder não têm o direito de ‘esticar a corda’ […]”.
A oração “na vida pública” é uma expressão adverbial que, pela norma culta, deveria estar intercalada, entre vírgulas:
“Mas, na vida pública, as pessoas que exercem o poder […]”.
3. Separação de sujeito e verbo
“Mas na vida pública as pessoas que exercem o poder, não têm o direito de ‘esticar a corda’, a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia”.
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Este trecho utiliza uma vírgula para separar o sujeito da oração (as pessoas que exercem o poder) do verbo (têm), o que não é admitido na norma padrão da Língua Portuguesa e costuma ser um equívoco clássico do uso da língua. A versão da nota que estava no ar no site da Presidência da República nesta sexta-feira (10) já não trazia a vírgula neste trecho.
4. Regência verbal
“Por isso quero declarar que minhas palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum”.
Visar, no sentido de almejar, exige uso da preposição para ligar o verbo ao complemento. Visar o bem comum, sem preposição, é entendido como o sentido de “dar visto”. Assim, o uso correto da regência pela norma padrão seria:
“Por isso quero declarar que minhas palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram ao bem comum”.
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5. Concordância verbal
“Sendo assim, essas questões devem ser resolvidas por medidas judiciais que serão tomadas de forma a assegurar a observância dos direitos e garantias fundamentais previsto no Art 5º da Constituição Federal”.
Neste trecho, o termo “previsto”, nesse caso como particípio do verbo prever, deveria concordar com os substantivos que o antecedem (“direitos e garantias”), no masculino e no plural, da seguinte forma:
“Sendo assim, essas questões devem ser resolvidas por medidas judiciais que serão tomadas de forma a assegurar a observância dos direitos e garantias fundamentais previstos no Art 5º da Constituição Federal”.
6. Uso da vírgula
“Democracia é isso: Executivo, Legislativo e Judiciário trabalhando juntos em favor do povo e todos respeitando a Constituição”.
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Embora não seja apontada como um erro, a ausência de vírgula antes da expressão “e todos” também foi sinalizada pela professora. Nesses casos, a vírgula costuma ser empregada porque os sujeitos das orações são diferentes.
7. Pleonasmo
“Sempre estive disposto a manter diálogo permanente com os demais Poderes […]”.
Segundo a professora, “sempre” e “permanente” são termos que caminham na mesma direção em termos de significado e representariam uma redundância na frase. A escolha de apenas um desses termos poderia dar o mesmo sentido.
8. Nome próprio com letra minúscula
“Presidente da República federativa do Brasil”.
Por se tratar do nome oficial do país, o termo “Federativa” deveria ter a primeira letra maiúscula. A versão da nota oficial que estava no ar nesta sexta-feira também já trazia alteração neste ponto.
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Parece, mas não é
Outros dois trechos foram apontados em uma das postagens como erros de português na carta de Bolsonaro, mas não fogem à norma padrão. Confira:
1. Concordância verbal
“Sei que boa parte dessas divergências decorrem de conflitos de entendimento”
Embora possa causar estranheza ou dúvida para alguns, nesses casos em que o sujeito é chamado de expressão partitiva (a maioria de, parte de, metade de) se permite que o verbo seja conjugado no singular ou no plural. No primeiro caso, ele concorda com o núcleo do sujeito (“boa parte”), e, no segundo, acompanha o complemento dele, que aparece no plural (“divergências”).
2. Início de frase
“Mas na vida pública as pessoas que exercem o poder não têm o direito de “esticar a corda […]”.
Também citado como um erro da nota do português, o uso da conjunção adversativa “mas” no início da frase não é considerado desvio da norma padrão da língua, conforme a professora. Nesse trecho, o ponto questionado é a ausência de vírgulas entre a expressão adverbial, já citada acima.
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