Sai ano, entra ano e eles continuam lá, estacionados em vagas públicas, muitas vezes em local proibido e em péssimo estado de conservação. São os veículos apreendidos pela Polícia Civil que ficam guardados em frente às delegacias da Grande Florianópolis. Tem lugar que somam 40 carros com pneus furados, vidros quebrados, com só a lataria, cravejado de balas, sem os pneus e outras peças, ou seja, totalmente abandonados e entregues à própria sorte.

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Em frente à casa do seu Osmarino Mariano Espíndola, de 67 anos, na Rua Thiago da Fonseca, no bairro Capoeiras, região continental de Florianópolis, onde fica a 3ª Delegacia, há um carro estacionado há dois meses. Se ele sair de casa consegue contar 24 veículos largados ao longo da via.

— Isso prejudica muito os moradores, primeiro porque estão colocando os veículos nos dois lados da rua e ocupam todas as vagas. Meus filhos vêm almoçar todos os dias e não têm onde estacionar os carros, não tem espaço. Sem falar que ficam criando mosquito, tem carro que está há mais de um ano parado aqui — relata.

Na parte onde os veículos estão há mais de meses, a calçada ficou completamente intransitável por causa do mato que tomou conta. Osmarino diz que a prefeitura e os moradores não limpam e quem quiser precisa andar pelo meio da rua.

— Faz um ano e pouco eu conversei com um delegado, mas a desculpa que dão é a mesma, não tem espaço, não tem onde colocar, aí tem a história da multa, que não encontram o dono do carro. Então não temos voz, o morador, o contribuinte tem que ficar a mercê dessa situação, que está muito difícil — diz Claudete Santos de Abreu, 57, que cuida da mãe de 97 anos.

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De acordo com ela, a falta de espaço para estacionar os carros é tanta que os veículos ocupam até a faixa de pedestre no início da via.

Preocupação com a dengue

E o problema só aumenta. Proprietário de uma lavação de carros, Jalvir Kerkhoven, 40, o Galego, comenta sobre o perigo do mosquito Aedes aegypti, transmissor de diversas doenças, como a dengue.

— Eles pegam tanto no pé da gente que não pode ter água parada, mas o poder público não toma providência, o cidadão tá fazendo a sua parte, mas o poder público não. Isso aqui para nós virou uma vergonha — diz.

A reportagem também foi na 4ª Delegacia, na Rua Ivo Réis Montenegro, em Coqueiros, onde havia quatro veículos apreendidos e estacionados, inclusive, em local irregular, onde havia faixa amarela com a placa de proibido estacionar.

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Mas o maior número de carros foi encontrado na 2ª Delegacia de São José, na Rua Fúlvio Vieira da Rosa, no bairro Barreiros. Por lá são quase 40 veículos estacionados em um terreno ao lado da delegacia e na rua em frente e atrás do prédio. Seu Jorge Roberto Voltoline, 57, morador próximo, diz que a situação piorou nos últimos meses. Além da preocupação com a proliferação de mosquitos e a ocupação das vagas de estacionamento, os carros incomodam até quem depende do transporte público.

— Tem um ponto de ônibus na Rua Catarina Meira dos Santos, que fica atrás da delegacia, eles têm o cabimento de colocar o carro ali e quem vai pegar o ônibus tem que ir pra rua. Essa rua é sobe e desce, é mão dupla, quando o ônibus sobe quem vem de lá tem que esperar. Isso aqui virou uma esculhambação, virou terra de ninguém, já fui falar com o delegado e dizem que não podem fazer nada — relata.

Segundo ele, há muitos anos a intenção era construir uma pracinha para a comunidade onde hoje funciona o depósito de carros a céu aberto ao lado da delegacia.

— Tá aí a nossa praça, com pessoas dormindo dentro dos carros, com risco de focos de dengue, sem falar que se tiver carro bom o pessoal furta tudo o que puder.

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Falta de vagas em pátio da SSP

O delegado Verdi Furlanetto, diretor de Polícia da Grande Florianópolis, explica que há duas formas de apreensão de veículo: a administrativa, quando há problemas com a documentação do carro ou do motorista, e a criminal, quando o veículo é furtado ou roubado, está envolvido com tráfico de drogas ou tem o chassi adulterado.

No primeiro caso, os veículos são levados para um pátio conveniado com o Detran em Palhoça. No segundo, o veículo vai para a delegacia e é devolvido ao dono, em caso de furto e roubo, ou, no caso de tráfico e adulteração de chassi, é encaminhado para o Centro Administrativo de São José, no bairro Areias, que pertence à Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP).

— Mas para que este veículo possa ser encaminhado para lá é necessário que haja vaga no complexo, aí nós entramos no problema. Os veículos ficam aguardando numa fila para serem recebidos lá. Hoje está sendo feita a construção da DEIC nos fundos do complexo e boa parte do terreno está sendo utilizada nas obras de construção do prédio, então houve uma limitação do espaço — informa o delegado.

Com isso, sem espaço no pátio da SSP, os veículos são obrigados a permanecerem na rua, em frente às delegacias. Segundo Furlanetto, há casos em que o carro apreendido por tráfico ou lavagem de dinheiro e que está em bom estado de conservação acaba sendo utilizado pela própria polícia após autorização judicial. Mas, a maioria dos veículos não tem condições de uso, muitos por terem se envolveu em acidentes.

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Para tentar resolver o problema de vagas no pátio e, consequentemente o acúmulo de carros apreendidos nas ruas, a Polícia Civil, a Gerência do Complexo Administrativo (Gecad) e o Poder Judiciário tentam algumas soluções. De acordo com Furlanetto, a Gecad deve destruir em torno de 300 veículos que foram autorizados pela Justiça. Com isso, serão abertas 300 vagas no pátio para receber os veículos que estão na Grande Florianópolis.

Para o delegado, o maior problema ainda é a legislação. De acordo com ele, até pouco tempo os veículos apreendidos só poderiam ser destruídos ou leiloados após a conclusão do processo judicial em que eles estão atrelados. Acontece que existem processos que duram mais de 10 anos.

— Recentemente houve uma mudança na legislação que possibilita a alienação antecipada desse veículo, ou seja, o veículo poderá ser colocado a leilão antes da conclusão do processo — explica.

Após a venda do veículo, parte do dinheiro vai para o Estado e o restante para a União.

Venda antecipada deve diminuir número de veículos

O Centro Administrativo de São José, onde ficam os carros apreendidos na região, tinha vaga para armazenar até 1.600 carros e 1.400 motos. No entanto, a construção da DEIC nos fundos do complexo ocupou um terço do espaço, restando mil vagas para carros.

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Além disso, segundo o gerente Edson Rosa Gomes da Silva, o centro sofria com o acúmulo de água e a lama toda vez que chovia, por isso, o local está em obras de calçamento há cerca de 30 dias. Para ter espaço para a obra, o complexo parou de receber novos veículos e hoje abriga apenas 800 carros e 800 motos. Com a conclusão do calçamento, prevista para daqui a 45 dias, a expectativa é ampliar o número de vagas para até 1.200 carros. Outras 300 vagas serão abertas após a destruição de 300 veículos, como informado pelo delegado.

Outra estratégia que pode ajudar a resolver os problemas com os veículos apreendidos é a venda antecipada. Edson explica que uma mudança no artigo 328 do Código de Trânsito Brasileiro, em 2015, permite que os veículos apreendidos ou removidos, independente do motivo, e que não seja retirado pelo proprietário em até 60 dias, pode ir a leilão.

Com isso, cada delegacia deverá ter um policial responsável pelos veículos apreendidos. Assim que o carro ou moto chegar, o funcionário fará a inclusão no sistema online, onde a comissão terá acesso para entrar com processo no judiciário para requerer a autorização de venda do mesmo.

Por enquanto, os policiais ainda passarão por uma capacitação de gestão de veículos, prevista para começar no início de dezembro. A intenção é que todo o processo comece em 2019.

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— Temos noção dos problemas que temos nas delegacias e estamos fazendo um trabalho proativo para abrir novas vagas no complexo, mas também queremos otimizar o pátio.