Dia de Brasil e Uruguai, como no clássico desta quarta-feira, às 16h, no Mineirão, a vida pacata do senhor Alcides Ghiggia vira do avesso. Os vizinhos da pequena cidade de Las Piedras, o lugar bucólico onde mora, a 23 quilômetros de Montevidéu, o tratam com mais fidalguia do que o costume.

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Querem saber dele a opinião sobre o resultado do clássico, perguntam se a Celeste vai, outra vez, fazer o Brasil engolir em seco o seu favoritismo, como o próprio Ghiggia impôs à Seleção de Barbosa e entristeceu 52 milhões de brasileiros de então na final da Copa do Mundo de 1950.

Por ironia, o carrasco daquele 16 de julho atualmente também é perseguido pelo fantasma que ele mesmo criou ao sacramentar o 2 a 1 no Maracanazo.

Seu Ghiggia quer mais é curtir sua caminhada pelas calles da cidade à beira do Rio da Prata com a tranquilidade dos seus 86 anos, “hasta que no me canse”. Restabeleceu-se bem de um acidente de trânsito sofrido em maio de 2010 e hoje só pensa em dar atenção aos seus cinco netos e nove bisnetos. Não quer saber de Maracanazo nem arrisca um palpite para o encontro desta quarta pelas semifinais da Copa das Confederações.

– Não, não prevejo um Mineirazo, o futebol está muito igual. As duas seleções não são muito distintas, quase não há favoritismo como acontecia antigamente – disse Ghiggia.

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De fato, durante a primeira Copa no Brasil o uruguaio tinha 25 anos e recém estreava na Celeste como ponteiro direito, vindo do Peñarol. Assombrou-se com a festança do “já ganhou” que inundava em confetes e carnaval o Rio de Janeiro no domingo de decisão do Maracanã. Coitado do Uruguai, seria triturado pelo escrete imbatível de Zizinho, o

Pelé da época. Seria amassado por um público de 180 mil brasileiros nas 435 mil toneladas de concreto do maior estádio do mundo. Ufanismo maior era impossível.

– É verdade que, antes do jogo, vocês penduraram no vestiário o antigo Jornal dos Sports com a manchete “Brasil Campeão do Mundo”?

– Não, isso é folclore. Nunca aconteceu. Mas a gente acreditava na vitória, sim. O problema é que os jornalistas brasileiros, eles nos trataram como uns derrotados.

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Esse tipo de descrédito é inconcebível na atualidade. Ghiggia até considera que sua seleção pode, sim, vencer o grande Brasil, sem a necessidade de invocar outro milagre. Forlán, Suárez e Cavani não formam um ataque qualquer, são ameaças vivas mesmo contra uma Seleção com a mão do técnico Luiz Felipe Scolari.

– E Neymar pode decidir o jogo? Chega a tirar o sono dos uruguaios?

Hay que pelear – respondeu Ghiggia, um tanto desafiador.

Pois nesta quarta-feira o velho ponteiro vai assistir ao clássico pela televisão munido com a sabedoria dos anos, longe da gana de outros tempos. Futebol para ele se resume aos clássicos de Peñarol e Nacional, os dois grandes do Uruguai, pela TV. Quando muito vai aos jogos da Celeste, toma seu lugar especial no Estádio Centenário e, para isso, tem de movimentar os amigos para acompanhá-lo.

Até os comentários sobre futebol já lhe são escassos. Depois que deixou os gramados, empregou-se em cassinos de Montevidéu. Por coincidência, trabalhou ao lado de Obdúlio Varela, que foi o seu centromédio na equipe que dobrou o Brasil em 1950. Aposentado dos cassinos, Ghiggia se dedica às caminhadas. Pensa nos netos. Até que algum vizinho o aborde e pergunte:

– Ghiggia, vamos ganhar do Brasil?