Hoje começa a 14ª Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, no sul do estado de Rio de Janeiro. Este ano, por compromissos previamente agendados, tive que negar uma mediação na programação paralela do evento. Seria minha sétima Flip. Listarei 6 motivos pelos quais sentirei muito em não comparecer e o motivos de você ir alguma vez na vida a essa festa:
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1. Gostaria muito de ir para poder ver o norueguês Karl Ove Knausgård e a bielorrussa Svetlana Aleksiévitch: dois autores que venho acompanhando nos últimos anos. O primeiro é capaz de fazer você se interessar pelas coisas mais banais ao tentar reconstruir a sua própria vida, com uma riqueza de detalhes surpreendente. Uma narrativa sobre a grandiosidade que é existir, mas também sobre a arbitrariedade da vida. Já Svetlana faz do jornalismo uma arma para pensar o sentido na história na vida das pessoas.
2. Mas não nego que uma das melhores coisas da festa é sempre poder encontrar amigos do mercado editorial (escritores, editores, jornalistas culturais) e botar as fofocas do meio em dia, sempre regadas a uma boa cachaça paratiana. Haja Engov!
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3. Em 2013 participei da Balada Literária, em São Paulo, em um debate intitulado Os outros piratas – Quem faz a literatura acontecer. Meus companheiros de mesa foram o Mauro Munhoz, o fundador, idealizador e ainda coordenador geral da Flip, e o Sérgio Vaz, que fez uma revolução na periferia de São Paulo, com a Cooperifa, um projeto que leva o livro e a literatura para áreas de grande vulnerabilidade social. Ali a discussão girou em torno da proliferação dos eventos literários e de sua clara consequência. A Flip ainda hoje é referência no continente em eventos literários de grande porte, principalmente por conseguir capitalizar a atenção da grande mídia. É um evento de celebração do mercado editorial, sem dúvidas. E também não deve ser comparado a festivais, feiras, bienais. O nome é bem claro: festa. Mas acredito que, hoje, depois de quatorze anos de sua fundação, seu formato esteja um pouco gasto e engessado. Se reinventou muito pouco desde sua fundação, e tampouco soube dialogar com outras áreas artísticas com potência. Mas, como já diz o ditado popular: falar é fácil, difícil é fazer. Eles fazem. E com qualidade.
4. Dois eventos são um pouco responsáveis pela popularização dos eventos na última década no Brasil: a Flip e a Feira do Livro de Porto Alegre. A Flip mostrou que o Brasil consegue fazer um evento literário que agrada as massas e a crítica, e que eventos bem feitos geram muita mídia e atraem turistas e leitores. Já a Feira do Livro de Porto Alegre é a feira do livro de rua mais tradicional do Brasil, e encanta gerações; são seis décadas de uma história ímpar no centro de Porto Alegre, com envolvimento de livreiros, editores e escritores. O sucesso desses dois eventos inspiraram confiança e serviram de exemplo para a criação de inúmeras outras iniciativas pelo Brasil.
5. Segundo o escritor argentino Alan Pauls, todo relacionamento já contém em si mesmo a própria separação. A relação entre a cidade histórica de Paraty, no Rio de Janeiro, e seu evento literário, não é diferente. Se o evento cresceu durante muitos anos (está em sua fase decrescente agora) em conteúdo, público e divulgação, a cidade prescinde, sobretudo, de leitores. Os paratienses vivem um tanto alienados, e apenas observam com uma curiosidade velada a marcha das multidões e livros. E se aficionados por livros do mundo inteiro enfrentam verdadeiras maratonas em busca de autógrafos ou bons lugares nas palestras, os populares não temem mostrar sua falta de tato cultural. Dois mundos muito distintos, que se tocam, se repelem, neste paraíso perdido na transição.
6. O que é a Flip? Um circo da literatura na sociedade do espetáculo? Um workshop de verniz cultural para a classe média? Uma rave de nerds? Ou um simulacro do paraíso borgeano? Eu não sei… Talvez seja um pouco disso tudo, mas mesmo assim não tem como não amar um evento como este: bem produzido e planejado, como poucas coisas neste Brasil capenga.
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