Abelardo Lopes da Silva, o Ganancinha, tijucano da melhor cepa, foi meu fiel escudeiro por trinta e seis curtos anos. Tendo sido marítimo, lavrador, vendedor de frutas e verduras, quando pôde, foi ser estivador na Babitonga, onde se tornou líder da categoria graças à sua coragem e ao seu bom senso. Como estivesse desaparecendo muita mercadoria dos cargueiros atracados, a administração do Porto, atendendo aos reclamos dos despachantes, pediu ajuda à Receita Federal. E esta mandou um dos seus melhores investigadores nesta função. Era um paraibano de uns dois metros de altura, fumante de finos charutos cubanos e que atendia pelo nome de Sr. Fortuna.

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Este entrou logo em ação, após hospedar-se no hotel dos Radvanski, o Central. Como alguém que não quer nada, saiu fazendo contatos, ouvindo pessoas ligadas à zona portuária. Isto assustou os portuários, e o presidente do Sindicato dos Estivadores convocou uma assembleia para tratar do assunto, antes que alguém do sindicato estivesse envolvido pela pesquisa sherlockiana.

E se formou uma comissão, liderada por Ganancinha, para ir ter com o Sr. Fortuna e livrar os estivadores da investigação. Manhã cedo, Ganancinha e seus companheiros foram ao hotel para falar com o investigador. Subiram ao quarto e bateram à porta. Esta foi aberta e um senhor enrolado num robe de chambre de fina seda os atendeu.

– É o Sr. Fartura? – perguntou-lhe Ganancinha.

Fortuna, meu caro, Fortuna!

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Sem perder a calma, como bom tijucano, respondeu-lhe:

– E quer maior fortuna do que a fartura?

*****

Às vezes, um terno, trabalhando na descarga de navio, procurava saber de que era constituída a carga. Em uma delas, o Mentira Fresca, contrabandista amador, disse aos trabalhadores: “Esta carga é de despertadores que vão para o representante da Westclock. Abram uma caixa e verifiquem!”

A lingada subiu com uma caixa e lá de cima foi solta, espatifando-se no porão. Foi relógio para todo lado e, logo, não poucos foram colocados nas lancheiras. Alguém, não se sabe quem, observou qual companheiro colocara mais relógios na lancheira. E quando ele subiu ao convés, abriu-lhe a lancheira e calmamente deu corda aos despertadores, preparando-os para despertarem à hora de descer de bordo. Na hora exata, despertadores alemães não falharam, mas foram jogados ao mar antes que o Sr. Fortuna/Fartura tomasse conhecimento e providências.