Eu e Paulo Macarini fomos contemporâneos na Faculdade de Direito de Santa Catarina, hoje absorvida pela UFSC. E sempre combatemos a direita, liderada pelo major Fortunato, o que nos tornou muito amigos.Quando a ditadura foi derrubada, tornou-se presidente do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps) na gestão do ministro Valdir Pires. Administrava esta fração da Previdência Social no Rio de Janeiro. Como o Conselho Federal da OAB tivesse, ainda, a sede no Rio, e eu fosse conselheiro pela OAB-SC, sempre nos encontrávamos para uma rodada de chimarrão — eu sou de Lages e ele era de Capinzal, locais onde o chimarrão ainda era obrigatório para sustentar o papo. Outro destes amigos era Raimundo Faoro, catarinense do Oeste e ex-presidente da OAB federal. Havendo sessão do conselho e eu estaria presente, Macarini me telefonou, pedindo que fosse ao seu gabinete. Tinha uma surpresa para mim.

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— O que é, companheiro?

– Senta, toma um mate que já está bem cevado com erva de Capinzal e aguarda.

Obedeci. Quase esquecia, nós dois havíamos lutado contra a ditadura de 1964.

Num determinado instante, um funcionário entrou e lhe disse que a pessoa esperada estava na sala.

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— Mande-a entrar.Entrou um senhor muito bem vestido, com uma bela pasta de couro marrom da Rússia, da qual tirou algumas folhas.

— Em que posso atendê-lo? — perguntou Macarini, educadamente.

— Trouxe o contrato para colher a sua assinatura.

— Que contrato? Não elaborei nenhum desde quando estou aqui, na presidência. E só assino os que eu mesmo redijo.

— É mera formalidade. Já estamos lá desde 1964.

—Bem, mas agora a coisa mudou ou não percebeu? Os contratos todos estão sendo revisados e atualizados em seus aluguéis. Posso ler o seu?

O homem estendeu as folhas e Macarini passou os olhos.

— Isto não posso assinar. Por este aluguel…

O homem disse, rindo:

— Vou falar com o ministro.

Macarini ligou o telefone e anunciou:

— Quer falar com ele? Está na linha e estendeu o aparelho — que o outro recusou.

Virou as costas, procurou a porta e saiu sem dizer até logo. Procurei entender o caso e Paulo explicou: contrato da ditadura. Uma área enorme de Jacarepaguá por um salário mínimo, onde recolhe a sua frota de ônibus. Se o Inamps recebesse os aluguéis dos seus imóveis em valores atualizados, a Previdência jamais seria deficitária.

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Macarini, infelizmente, faleceu antes de fazer esta atualização. Mas quem estiver na presidência do Inamps pode fazê-la.