Catarinense de Mafra, o cardeal Dom João de Aviz foi um dos participantes do conclave, encontro que escolheu o Papa Francisco no último sábado, dia 16.

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Na manhã desta quarta-feira, ele falou por mais de 20 minutos com o Diário Catarinense sobre a escolha e as posições do cardeal Jorge Bergoglio, o Papa. Ele conta que o nome de Bergoglio foi “algo devagarinho que foi crescendo”.

Dom João de Aviz garantiu que a igreja vai enfrentar a questão da pedofilia. Falou que a solução será exemplo para outros setores da sociedade que passam por este problema. Ele ainda refutou as informações divulgadas na imprensa italiana de que teria brigado com o também cardeal brasileiro Dom Odilo Scherer. Por último, o catarinense diz que não se sentiu como um possível nome para ocupar a direção da igreja católica.

Diário Catarinense – Os primeiros atos do Papa Francisco vão na direção do que se esperava quando ele foi escolhido?

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Dom João de Aviz – Neste momento nós vimos a necessidade de um Papa que pudesse estabelecer uma relação mais pastoral com a igreja. Um pastor mais perto do seu povo, dos problemas que vão acontecendo. Isso foi aparecendo no conclave a ponto que foi identificado o cardeal Bergoglio com estas qualidades que ele sempre manifestou. De uma igreja de comunhão, uma igreja muito coerente, mas que é também muito simples e ama o homem com gestos e palavras. Eu tenho a impressão de que o Papa está começando mais por gestos do que palavras a nos mostrar isso.

DC – Já há sinais de como será este trabalho pastoral?

Dom João de Aviz – Eu não sei. Sei que ele quer trabalhar juntos aos bispos, aproximá-los. Aqui na Cúria Romana é importante isso, ter mais pontes de ligação, de conversa em conjunto para tomar as decisões e levá-las a frente. A gente espera que esta orientação vá muito na direção da igreja junto do povo, uma igreja de testemunho. Você não pode combater a um outro que tenha uma convicção diferente, uma tradição religiosa diferente. Você pode mostrar e ele vai aderir.

DC – Influiu na escolha o fato de Jorge Bergoglio ser latino americano?

Dom João de Aviz – Neste momento o lugar onde o cristianismo tem um número maior de fiéis é justamente na América Latina. Nós temos em todo o continente um extrato de fé, uma experiência de fé do povo que está muito clara. Nosso povo é um povo religioso. Nota-se que este fato influiu. Amadureceu uma experiência cristã que foi capaz de apresentar alguém que fosse representar Pedro na igreja.

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DC – Por ele ser do Hemisfério Sul significa que houve mudança no eixo da igreja?

Dom João de Aviz – Não, porque é uma decisão feita na maneira que nos encontramos quando o Papa, digamos, morre e se elege um novo Papa. Não é questão de nacionalidade, de continente. Nós olhamos muito o que parece melhor para aquele momento e que pessoa corresponde. Tanto que a imprensa citou muito alguns nomes e nós não ficamos direcionados a isto.

DC – Pode haver alguma mudança na posição da igreja em questões como celibato, preservativo e casamento gay?

Dom João de Aviz – Na questão da bioética, a igreja desenvolveu uma doutrina muito coerente com o evangélico e muito ligada com a defesa da vida. Nós não olhamos imediatamente o que pode dar mais prazer ou menos prazer ao indivíduo. Todas estas questões ligadas ao casamento gay, a pedofilia, dos preservativos, o celibato dos sacerdotes, sobre tudo isto existe uma consciência muito clara e não creio que o Papa vai mexer na direção do que foi estabelecido.

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DC – Falando dos problemas existentes dentro da igreja, como a questão da pedofilia será tratada?

Dom João de Aviz – O Papa Bento XVI teve a coragem de apontar claramente os problemas que existiam como em relação a pedofilia. Nós acompanhamos muito de perto o trabalho que foi feito sobretudo nos Estados Unidos e na Irlanda para corrigir isso. Sabemos que há outras regiões do mundo onde este problema ainda terá que ser averiguado. Agora, a igreja começou um caminho de purificação neste sentido muito interessante e muito necessário. Tudo terá que ser realmente banido da igreja. Penso que o exemplo que a igreja está dando neste caminho, neste reconhecimento, a sociedade poderá seguir em muitas coisas. Em muitos campos da sociedade os problemas não são apontados, mas eles existem também.

DC – E as dúvidas apontadas sobre a atuação do banco do Vaticano?

Dom João de Aviz – Com relação ao IOR (Instituto para Obras da Religião), uma espécie de banco do Vaticano, tudo será discutido. Agora, todas as acusações que são feitas nem sempre são autênticas porque na instituição a transparência é muito grande. Às vezes, há muita desinformação e às vezes um certo preconceito. Agora, precisa verificar a necessidade até onde levar para frente toda esta questão de administração de um patrimônio desse tamanho dentro da igreja.

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DC – Foi veiculado que antes do conclave o senhor e o também cardeal brasileiro Dom Odilo Scherer tiveram uma discussão por causa da maneira de gerenciar o banco do Vaticano?

Dom João de Aviz – Eu não tenho consciência não. Os jornais colocaram totalmente desfocado. O que houve entre nós foi posicionamento de conversar abertamente sobre os problemas da igreja, isso sim. Porque os cardeais fizeram 176 intervenções durante aquele período chamado de congregação, um pouco antes do conclave. Foi um período muito rico. Fiquei comovido pela capacidade dos cardeais exporem os problemas. Eles respeitaram a posição do outro. Neste sentido foi uma escola. Sobre esta questão, eu falei com Dom Odilo: você tem consciência que nós brigamos? Eu sou amigo de Dom Odilo desde o seminário. Não tenho consciência de ter brigado com Dom Odilo.

DC – Então o que houve foi um debate maduro?

Dom João de Aviz – É um sinal deste novo momento. Estamos num momento em que a gente não deve excluir pessoas com posições diferentes. Mas perceber quais são as razões, os valores que as pessoas estão defendendo. Eu acho que nós na igreja estamos começando a progredir mais neste sentido. Inclusive em relação as outras igrejas. Há uma abertura muito maior porque você quer se aproximar de outro. Isso se refletiu no conclave. Nenhum dos nomes que iam aparecendo foram motivos de conflito. Foram motivo de aprofundamento. O próprio Papa não foi uma coisa explosiva que veio, foi algo devagarinho que foi crescendo.

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DC – O senhor sentiu que poderia ser o senhor o novo Papa?

Cardeal Dom João de Aviz – Neste sentido não. A gente estava dentro do conclave, o nome da gente é um dos 115 (cardeais). Neste sentido, interiormente a gente não vai pensando. Existe esta possibilidade, mas não no sentido que tem que fazer lobby, criar grupos, fazer reuniões. Os cardeais vão aos poucos tomando consciência, perguntando e depois votam.

DC – O seu nome chegou a ser cotado como novo Papa?

Dom João de Aviz – Não, em nenhum momento.

DC – O Papa Francisco ser jesuíta ajudou ou atrapalhou na escolha dele? Foi uma quebra de paradigma escolher o primeiro jesuíta ou apenas mais uma consequência?

Dom João de Aviz – Mais uma consequência porque ali o que conta é a pessoa de Bergoglio. Ele é um homem de uma coerência muito grande, de uma vida muito simples, muito cheia de fé, perto do povo. Ele é muito ligado a Francisco, outra escola de espiritualidade. O homem livre que segue Cristo e que dá um testemunho de amor a igreja. Ele é um jesuíta que se tornou Papa, um fato bonito, mas que não entrou na conversa.

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DC – A escolha do nome Francisco sinaliza uma preocupação ambiental?

Dom João de Aviz – A igreja foi uma das grandes produtoras desta consciência ecológica, a necessidade de nós mudarmos os nossos hábitos. Acho que neste sentido a igreja tem sido um grande elemento de conscientização. Que o Papa possa continuar nessa direção é maravilhoso. Sejamos de uma convicção ou de outra, o planeta que temos é esse.

DC – Como a igreja vai lidar com redes sociais?

Dom João de Aviz – O Papa já usa a rede social. Ela é um instrumento que populariza o pensamento de quem usá-la. Um grande instrumento. Torna o virtual quase real. É uma coisa impressionante porque a reação é quase imediata.

DC – Como será a relação do novo Papa com o os jovens?

Dom João de Aviz – A Jornada Mundial da Juventude (que ocorre em julho), que por alegria nossa vai ser no Rio de Janeiro, vai ser um desses sinais de que há um entendimento entre a figura do Papa e os jovens. Foi uma iniciativa de João Paulo II e naturalmente o Papa Francisco terá todas as condições de dar realmente a Jornada Mundial da Juventude uma ocasião muito boa.

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DC – Que avaliação o senhor faz do papado de Bento XVI?

Dom João de Aviz – Nós tivemos um governo importante do Papa Bento XVI em que ele insistiu muito na questão dos fundamentos da vida cristã, da importância de Deus na vida atual em muitos lugares como a Europa, onde Deus foi tirado um pouco do centro. Como se Deus não fosse mais necessário. Ele trabalhou muito a questão da fé e da razão, mostrando como uma não excluiu a outra. Nos ajudou a entrar no evangélico de modo mais transparente. Identificar os problemas da igreja dando nome a estes problemas.

DC – E qual papel Bento XVI terá de agora em diante?

Dom João de Aviz – Penso que ele é um homem de uma coerência muito grande. Ele tomou uma decisão muito pensada. Penso que ele vai viver como disse naquela frase bonita: eu desde já quero assegurar a minha reverência e minha obediência total ao novo Papa. Acho que ele vai se conservar nesta linha. É um homem de 86 anos muito amadurecido, que vai querer se dedicar à oração e não tem ilusões na cabeça. Penso que será um grande conselheiro para o Papa. É uma situação um tanto nova para nós.

DC – E quando o senhor vem ao Brasil?

Dom João de Aviz – Eu nem sei direito se vou à Jornada. Eu gostaria de ir, mas vamos ver como as coisas se ajeitam.

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