Quando abre a porta da varanda, nos fundos da casa, Nelsina Bächtold encontra uma imensidão de árvores rodeando o quintal. Mais do que o privilégio de observar o verde todos dias, mesmo vivendo ao lado da rua Ottokar Doerffel, ela tem nos fundos da casa uma parte importante da história de Joinville. Mesmo que o bosque no quintal não seja mais o mesmo da infância e os 79 anos não permitam que ela cuide das plantas com a mesma vivacidade, as lembranças não foram deixadas para trás.
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Nelsina cresceu ali, em uma rua que era apenas um caminho particular para poucas propriedades rurais. O bairro Atiradores, na época, era um campo por onde raramente passavam carroças – e que alagava quando chovia muito, as carroças atolavam e as crianças aproveitavam para brincar nos terrenos molhados. O Cemitério Municipal era pequeno, separado da casa da família dela por um rio.
— Não é que a gente tinha medo, porque já estávamos acostumados com ele. Mas no inverno, quando voltava do Colégio Santos Anjos às seis da tarde e estava escuro, eu sempre dava uma corridinha quando passava do lado do cemitério -, lembra ela.
Estudar era a maior felicidade da joinvilense, que, mesmo sem saber falar português quando entrou na primeira série, tornou-se a melhor aluna da turma na matéria.
— A freira ensinou que só podia falar alemão no cantinho do pátio, então nós trocávamos bilhetinhos — conta Nelsina.
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Mas não demorou muito para que professoras queridas fossem levadas embora da escola, presas por crime nenhum a não ser falar, escrever ou ter livros em alemão. Só que, em vez de serem levadas para longe de Nelsina, ficaram ainda mais perto: nos fundos da casa dela, onde hoje são as capelas do Cemitério Municipal.
— Ali havia o "hospício" do Oscar Schneider, que na época da Segunda Guerra virou prisão para os estrangeiros. Mas era tudo gente muito boa: médicos, pastores, professores… — conta Nelsina.
Com a ajuda de policiais que faziam "vista grossa", os presos políticos atravessavam o bosque e iam para a casa dos Hardt, onde o pai dela, Afonso Hardt, dava comida e bebida e permitia que ouvissem a rádio alemã.
Nelsina tinha entre nove e dez anos e ajudava a transmitir mensagens dos presos para as famílias. Em troca, aprendia com eles e era até mesmo tratada de graça por um médico que conseguia fugir dos limites da concentração para atender à menina doente.
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— Este foi um tempo muito bom da minha vida, muito bonito. Eles vinham para minha casa e dançavam na sala. Quando a guerra acabou, viramos bons amigos — conta, mostrando fotos de encontros da filha, Janete, com descendentes dos presos do campo de concentração joinvilense que encontravam no bosque de Nelsina um caminho para sobreviver.
