Com 27 anos, viajei pela primeira vez aos Estados Unidos. À época, um privilégio; hoje, nessa idade, muitos já deram a volta ao mundo. Via motorhome, conheci um dos pedaços mais exuberantes da terra do Tio Sam: a Costa Oeste. Calma! Não vou relatar a viagem, meu “malômetro” é aferido regularmente. O roteiro incluía a exuberante Las Vegas, encravada no deserto. Todos sabem, Vegas mexe desbragadamente com os sentidos. Alcançamos o luminoso hotel num fim de tarde, depois de percorrer sob um calor diabólico a legendária 66 no Vale da Morte. Recompostos, imergimos no gelado cassino do hotel – nem tanto pelo jogo, mais para compensar aquele dia de cão, cruzando um dos trechos mais inóspitos do planeta, de olho no ponteiro da gasosa.

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Sob brilhos e o tilintar de mil caça-níqueis (de alavanca!), deslumbrado, pisei no macio tentando me acostumar àquele cassino de verdade. Tranquei o riso ao me lembrar das apostas numa velha roleta paraguaia sob fluorescentes piscantes. Também me ocorreu um trecho em Os Tolos Morrem Antes, de Mario Puzo, ambientado em Las Vegas, quando o dirigente do cassino gira uma válvula e injeta oxigênio no ambiente, reanimando os apostadores. A garçonete de minissaia se aproximou com drinques…

Observei o entorno. O embriagante caminho para a desgraça estava ali: olhos pregados em visores de combinações improváveis, silêncios com as bolinhas saltando indecisas nas roletas, circunspeção de rostos ante as cartas pousadas sobre o verde. De dinheiro contado, ocupei uma das engenhocas na esperança de um “jackpot”. A minissaia de novo. A noite corria frenética. Os drinques e modestas multiplicações de 25 cents me incentivavam. Súbito, intuí sair dali sem dinheiro para uns extras em Los Angeles.

Cartada final: a máquina de 1 dólar. Inspirei fundo, a moeda juntou-se às dos outros trouxas, puxei a alavanca com esperança de perdedor. Os discos com as figurinhas giraram desvairadas. Fechei os olhos. O mundo parou. Ainda sem ver nada, ouvi o despejar de centenas de dólares abarrotando o recipiente. Voltei à realidade. Quatro melancias em ordem-unida reverenciavam o novo “milionário”. Embolsei tudo e procurei a minissaia com os drinques. Nenhum jogo me pegaria mais, mesmo em Las Vegas.

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No Brasil, os cassinos viciados querem voltar. O governo inepto e voraz precisa arrecadar e aposta alto no desconhecimento da Lei das Probabilidades pelo povão. Evite os salões com esses estímulos fatais, a vida aqui fora é melhor. Uma sofrida travessia pelo Vale da Morte, com o ponteiro no mico, eu garanto, é aventura indescritível e fascinante. Fuja da imponderável desgraça dos números.

Vão os anéis… e os dedos.