Anuncia-se à larga o término do Programa do Jô, talk-show com lugar no panteon da televisão brasileira. Nem sei se a expressão é aplicável, mas a Globo anuncia o canto do cisne para o final de 2016. No ar desde a virada do século sob os humores de José Eugênio Soares, as entrevistas no início das madrugadas seguramente compõem um acervo inigualável. O que tem de história pra cavoucar ali não está no gibi. Inspirado nos modelos americanos (destaque para David Letterman), o Gordo, com seu toque pessoal inaugurou o gênero dessas entrevistas no Brasil – antes da Globo – no “Jô Onze e Meia”, sob a tutela de Silvio Santos, pois a Vênus Platinada tinha rechaçado o projeto. Bom, essas coisas estão todas no Google e Youtube. É só ir lá.

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Mas o Jô já deixa saudade faz tempo, desde que abandonou o humorismo por excelência. As noites do Viva o Gordo eram deliciosas. De rara versatilidade, distribuiu personagens e motes válidos ainda para muitas gerações. “Muy amigo!”, interpretando um argentino “gardelón”, talvez encabece a lista. O Capitão Gay, numa alusão mal disfarçada ao carnavalesco Clóvis Bornay; o padre casamenteiro dizendo irritado “casa, descasa, casa, descasa… io non caso!”; o cara que sugeria pro colega do escritório, com mulher gostosa, “vai pra caaasa, Padilha!” e tantos outros.

Vi Jô Soares pela primeira vez, a TV ainda era em preto e branco, na antiquíssima Praça da Alegria. Imitava um alemão que, sem dominar o português, perguntava ao interlocutor “cómo jamáá-ze…” tal coisa? Aí recebia do velho Manoel da Nóbrega resposta totalmente absurda, e tudo virava papo de louco.

Mais tarde, já na Faculdade de Comunicação, soubemos no intervalo que o Jô, já em pleno sucesso, faria um bate-papo na turma da Teologia. Todos pra lá! Incrível: a plateia era de gatos-pingados e o Gordo numa magreza macilenta. Um privilégio presenciar esses dois fatores improváveis na carreira dele. Mas a palestra foi animada. Contou aos padrecos que tinha autorização para ministrar missa (não entendi) e falou do regime: “como de tudo, porém menos”. Meses depois desistiu. Ainda bem, ninguém concebe o Gordo magro.

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Jô também fez um comercial para a Hering. Talvez isso o levou a criar o quadro da enfermeira blumenauense Waltraud que, ao massagear brutalmente um magricela desesperado, alardeava “o importántch é o carrinho!”. Um primo contou que na época do comercial jantou com Jô e uma turma no Frohsinn, e o humorista fez-se alheio à conversa. (Ih! Sabe lá o papo aranha que rolou…).

Secretamente nós brasileiros criamos o “joômetro”. É o dispositivo imaginário que afere se você fez alguma coisa importante e, por consequência, pode ser convidado a ir ao Programa do Jô. Como chargista, perdi as esperanças. Falta menos de um ano e deve haver uns 1.800 na minha frente.

Um beijo do Cao.