Classificar Daniel Sottomaior de ímpio corajoso pelo artigo escrito na Veja desta semana certamente foi o sentimento da irrefutável maioria dos leitores brasileiros ao deparar com “Deus é Uma Ficção”. Fosse a matéria publicada em dezenas de línguas, a reação dos terráqueos não seria diferente. O presidente da Atea – Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos – pôs os pontos nos is em um assunto que, a despeito do colossal avanço da ciência, é tratado como tabu. Ou pior: para a porção da sociedade que não acredita na existência do “senhor das esferas” (Vinicius), ainda são reservados desconfiança e desprezo. Isso nas ajustadas democracias. Nem me falem em duvidar na existência de um deus vocês sabem onde.

Continua depois da publicidade

O, digamos, atrevido artigo traz informações perturbadoras sobre o tratamento dado aos cartesianos. Ateus e agnósticos detêm o maior grau de aversão em nosso país. Expressivas percentagens de eleitores dariam seu voto para presidente a um candidato negro (84%), uma mulher (57%) ou um homossexual (32%), mas apenas 13% aceitariam um “desgarrado”. Por isso mesmo, políticos como FHC e Dilma (?), descrentes de carteirinha, se “converteram” subitamente antes das eleições.

Aos cegamente entregues a um ser infinitamente justo e bom, Sottomaior lembra: “não consta que os corruptos condenados pelo mensalão e pela Lava-Jato sejam majoritariamente ateus (…), tampouco são eles que lançam aviões contra edifícios”. Minha vivência acadêmica em escolas cristãs deu-se em boa parte, direta ou veladamente, sob a perscrutação de um Todo-Poderoso. Ah, o diabo, oops!, da lavagem cerebral… A clarividência veio empurrada pelas páginas da filosofia, física, química, biologia, matemática. Gênese, paraíso, pecados, castigos, purificações, e outras fantasias não resistiram aos eixos dos xx e dos yy.

De forma alguma vai aqui oposição ao conforto espiritual que o cristianismo proporciona aos seus fiéis, a propagação do bem entre os homens e o constante incentivo para a revisão de nossos atos. As afetuosas lições guardadas – fico em dois exemplos – do carismático frei Fulgêncio e o obstinado e amigo frei Wilson, falecido terça-feira passada, sem dúvida fizeram a diferença em muitos momentos de minha vida.

O Brasil tem um dos menores índices de ateísmo, 1%, contra os 31% do Japão e 29% da França. Esses números evocam o básico da razão humana: por estatísticas, quanto mais religioso é um país, mais comprometidos estão seus índices sociais. Ali, paradoxalmente, deus some. A coluna de Sottomaior faz pensar. Seja você cristão, judeu, muçulmano, hinduísta, budista, espírita, umbandista, agnóstico, ateu ou mesmo um à toa na vida, procure o assunto, afinal estamos por aqui há 200 mil anos.

Continua depois da publicidade

Aliás, já se deu conta que somos todos ateus com a religião dos outros?