“Nein… Nein…” – o sotaque inconfundível veio pelas costas. Fazia tempo não encontrava o Lichtgeschwindigkeit, amigo alemão radicado na nossa esplêndida anarquia. De jornal dobrado, bateu levemente na minha cabeça e deu um encontrão com o ombro. Parei. O Licht é desses caras que não deixariam o Brasil por nada (não aprovou a excessiva rigidez alemã), contudo a Alemanha ainda mora nele.
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Feliz por vê-lo, perguntei como ia, aí soltou sua onomatopéia característica: “pfff!”. Essa bufada do Licht é uma instituição germânica, significa quase sempre um desagrado. Se Licht se livrou da austeridade teuta, nunca incorporou a zorra local. Olhando o chão, segurou meu braço e ruminou seu descontentamento: “eu não me canso de dizer, o problema de vocês é a educação…”. Concordei em silêncio, continuou: “desde pequenos, os brasileiros são privados não apenas de um academicismo sólido, mas, sobretudo, da noção de cidadania”.
Paramos no cafezinho Marreta. De cotovelo na mesinha e olhar distante, continuou: “você viu aqueles dois repórteres entrevistando a meninada do Enem? Mein Gott!”. Esperou meu sim e fiou: “qual é o valor de pi, de onde vem a energia eólica, quanto vale V em algarismos romanos, o que é H2O, qual oceano banha o Brasil, quais os estados do Sul, quem inventou a lâmpada, qual é o maior osso do corpo humano…
Ninguém sabia! Ninguém!”. De dedo em riste, subiu a voz e o sotaque: “Mann! Os bobalhões não sabem a composição da água e querem ocupar escolas por causa de uma PEC da qual não fazem a menor ideia!”. E gritam a toda hora fascistas!, fascistas! E sabem eles o que é fascista?! Cidadania zerro!!!
Mexeu cuidadosamente o café e lembrou minha última crônica. “Sabe o que eu acho desse nhenhenhém entre patrão e empregado? O Brasil precisava ser reinventado, e sem todos esses Gewerkschafte! Sindicatos! Sindicatos! Sindicatos! Uma coisa te digo: o cara que abre uma empresa aqui só não é covarde. Mensch! Já de saída uma floresta de impostos e encargos! E os empregado, aliás, ?co-la-bo-ra-dores?, custam o dobro. Das Doppelte!”.
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Licht pousou tilintando alto a xícara vazia: “Ach! O Trump! O Trump é moleza! Ele pode arrumar a encrenca que quiser na Casa Branca, entretanto, na casa dos americanos haverá sempre mais filhos sabendo que H2O é água, energia eólica vem do vento, pi vale 3,1416 e o fêmur é o osso mais longo do corpo humano.
Por mais Scheisse que seu presidente faça, haverá sempre uma base de cidadãos aptos a virar o jogo. Aqui não. Um professorzinho ressentido e improdutivo enche de teorias burras e falidas os miolos, ainda moles, dos alunos-clientes, criando manadas de acéfalos. Aí dá Lula…”. Cutucou de novo minha cabeça com o jornal e se mandou.
Emitiu outro sonoro pfff!