Em 1637, o filósofo, físico e matemático René Descartes criou o conceito do número imaginário. É a raiz quadrada de -1. Ela não existe. O caro e paciente leitor sabe: a multiplicação entre dois números negativos nunca dará outro negativo. Por definição, a operação é impossível no campo real. O sábio francês convencionou identificar a “sinuca” pela letra “i”. Sabe o quê? Eu imagino o Brasil caminhando física, matemática, filosófica e inexoravelmente para um mundo no qual, mesmo com todas as tentativas, as coisas começam a se tornar cada vez mais “impossíveis no campo real”. Tal qual a raiz de -1.
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De O Globo do dia 11 passado, uma nota do jornalista Otto Azoi roda fartamente pelas redes sociais: “O que é o que é? Possui 29 garçons, cinco garçonetes, quatro cozinheiras e 54 copeiras, mas não é restaurante; 120 motoristas, mas não são do Uber; 249 seguranças privados, bem protegidos; 32 ascensoristas que não trabalham na Trump Tower; 2.930 funcionários efetivos; 1.573 terceirizados e 523 estagiários! Acertou quem disse Superior Tribunal de Justiça, com 33 ministros e que, segundo o Portal da Transparência, por lá escorreu em 2013 mais de R$ 1 bilhão! É assim que o teto de gastos sobe no telhado”. Então, segundo Descartes, STJ = i.
Mais analogias com a matemática: qual equação habita as mentes de tão imoral escoadouro de recursos. Some-se a esta irrealidade a pezada do governador de Rio Falido tentando surrupiar 30% dos salários de seus servidores a título de equilibrar seu caixa, acostumado a desmandos e compadrios. Enquanto isso os vencimentos do doutor desembargador rondam os 130 mil irreais. Pois é, senhores, o que mais pode viver na irrealidade dentro do incomensurável e voraz aparelho governamental? Como exercício, esqueçamos por ora o péssimo destino dado aos impostos, os supersalários, os presos algemados a lixeiras e a endêmica corrupção. Garçons, cozinheiros, viaturas e seguranças às pencas bastam para ilustrar esse deboche indo às raias do caricato. Como ilustração, sempre que penso nisso, me ocorre invariavelmente a figura do hitchcockiano Ricardo Lewandowski. As ruas estão atentas, ministro!
Há mais ou menos um ano, numa entrevista de rádio, por gaiatice do apresentador, fui desafiado a refazer a frase da nossa bandeira. Negociei a sacada para dali a alguns dias. Grosseiramente, dando uma de brasileiro, estou devendo até hoje. No entanto, a propósito desta coluna, surgiu a resposta. Se “ordem e progresso” nunca frequentou nossa realidade, a raiz quadrada de -1 bem poderia substituir a frase no pavilhão nacional (sobre fundo preto). Ficaria elegante, sintético e menos mentiroso. E seria entendido em todas as línguas. Se o radialista estiver lendo a coluna, está aí minha sugestão.
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