Minha cuca, a exemplo de uma infinidade de terráqueos, na troca de ano vira receptáculo de um turbilhão de ideias e resoluções. Com a idade, já aprendi: pouco, quase nada, se realizará do louco filme permeado de votos e desejos. Mesmo assim, esta paradinha carregada de secretos sonhos impossíveis faz bem. Coisas que absolutamente não estão no seu dia a dia entre o Ano-Novo e o Natal, acabam surgindo deliciosamente (não estou falando do peru nem do leitão) entre o Natal e o Ano-Novo.
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Fazia muitos anos que não remava num caiaque entre baleeiras na tranquila baía dos pescadores em Armação de Itapocoroy, Penha. Não me lembro de alguma vez ter erguido um jaboti para redirecionar sua fleuma em direção à fatia de mamão largada no imenso gramado da casa de praia do irmão Puki e Tanya, sob o olhar curioso da Oma Renate. Também não imaginava receber um convite do Edgar – o ex-editor destas vibrantes rotativas – e da Brígida para, com Maria Júlia, enfrentar uma insuperável pastelada caseira com cerveja, na véspera do foguetório, em seu agradável refúgio na Praia Grande, aqui perto.
E, na segunda-feira, havia uma intimação no Whats. A coisa acabou na casa vizinha do Toninho e Carla: ostras gratinadas cortejadas pelo melhor uísque e vinho branco. Adicione-se a brisa morna, o gradativo acender das luzes refletidas no mar manso e um ou outro monossílabo caboclo entreouvido na leve rebentação. Por uns instantes voltei à Armação da minha infância.
Pois é, a Armação de minha infância e juventude… Numa caminhada até o terreno à beira-mar, onde já houve uma casa rústica enfiada em densa vegetação nativa, iluminada a querosene e de água salobra extraída com bomba manual, deparei mais uma vez com as maldições do progresso trôpego e a ausência de planejamento. Ali, descalço na areia, observei uma Armação que ensaia seus passos definitivos rumo a um balneário, como tantos outros, orlado de edifícios para temporadas e uma crescente economia paralela à pesca.
E ali mesmo, descalço na areia, precisei cuidar para não enfiar os pés num esgoto de bosta a céu aberto, para não me cortar nos cacos de uma longneck, para não devolver o almoço por causa da insuportável fedentina e para não fazer um comício aos brados contra um boteco ao lado que se apossa da via pública, um dos acessos à praia, há mais de 30 anos.
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Enfim o admirável mundo novo do Huxley veio com milhões de câmeras em tempo real, prefeitos acossados pela Lava-Jato prometendo austeridade, mortes exponenciais nas estradas, presídios em convulsão, fanáticos religiosos promovendo carnificinas, a corrupção como ofício e uma praia destrambelhada. Chegou mais doido que o esperado.
Pés na areia, em frente ao boteco fedorento, ao fundo Armação virando cidade e as saudosas férias de verão revolvendo minha cuca. Desse turbilhão de incoerências e contrastes preciso fazer meu 2017. Com alguma criatividade, espero.