Uma das utilidades dos grupos no WhatsApp é a de nos dar oportunidade para questionar dogmas babacas. O aplicativo, pela recorrência de determinados assuntos, faz cair umas fichas. De tanto dar de cara, por exemplo, com o texto “Instantes” – falsamente atribuído ao genial Jorge Luis Borges – resolvi, faz tempo, desancálo em uma coluna.

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Quase todos conhecem os “arrependimentos” do autor, independente de quem seja, por não ter cometido alguns excessos na vida, já em ocaso. Se voltasse a viver, afirma, tomaria mais sorvetes, andaria muitas vezes descalço e multiplicaria as voltas no quarteirão. Troço chato! Vai dar uns giros na quadra, pé na sujeira, lambendo um sorvete e depois me conta. Tá bom, ranzinzice à parte, as coisas que alega ter preterido, se cometidas em lugares e tempos distintos, até podem trazer algum prazer adicional.

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Semana passada, recebi outra historinha com essas filosofadas. Um turista americano, tendo lá seus motivos, foi ao Cairo para visitar um famoso sábio (não sei por que todos os sábios vêm daquelas bandas). O ianque (provavelmente de camisa florida e chapéu branco) ficou surpreso ao encontrar o sabichão (previsivelmente de túnica puída e alpercatas) morando num quartinho cheio de livros. A mobília resumia-se a uma cama, escrivaninha e banco. Obviamente o filhote do Tio Sam quis logo saber onde estava o resto dos móveis. Pronto! Levantou a bola: “e onde estão os seus?”, redarguiu o sabetudo. “Mas eu estar equi sôu di pessádjem…”, replicou o guy do Kentucky. A tréplica-chavão estava na ponta da língua do egípcio: “eu também!”. E emendou: “A vida na Terra é somente uma passagem, no entanto, alguns vivem como se fossem ficar aqui eternamente e se esquecem de ser felizes”. Oh!

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A tal historinha ainda ensinava que “não somos seres humanos passando por uma experiência espiritual, mas seres espirituais passando por uma experiência humana” e “o tempo é como um rio, você não poderá tocar na mesma água duas vezes”. Mais: “nunca procure boas aparências, pois elas mudam com o tempo; não procure pessoas perfeitas porque elas não existem”. Além disso, informa: “a vida é curta e os amigos são raros”. Ah, não diga…

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Fala aí, ó Sábio do Cairo: tu acreditas mesmo nessa balela? Olha só: se a vida é curta, por que não um sofá confortável, home theater, roupas bem cortadas e uma lancha potente para poder alcançar a mesma água duas vezes? Esse negócio de “ser espiritual” é conversa. A boa aparência é uma curtição, sim. Os amigos são raros e imperfeitos, sim. E é bom que sejam raros e imperfeitos, senão, haja saco.

Com a estante de livros eu concordo, mas viver recolhido num cubículo de cama dura pra quê? A vida está de passagem aqui fora, meu chapa, com suas cadeiras Plywood e uma noite divertida no Eataly.