Semana passada estivemos por quatro dias no Rio de Janeiro. Derramar suspiros sobre seus surpreendentes e recortados acidentes geográficos, onde a natureza se deteve para dar mais uma mãozinha de lambuja, seria um enfadonho desfiar de cartões-postais com os quais os caros e pacientes leitores já devem estar por aqui. Sou um frequentador irregular do Rio. Por muitas vezes fui recebido naquele pedaço de paraíso pelo saudoso amigo Ivo, um tipo inesquecível desprovido de frescuras, mas que fez questão de se instalar, por quase 30 anos, numa cobertura com visual de dar apneia: o Jardim de Alá e o Arquipélago das Cagarras ao fundo.
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Certa vez ele definiu o Rio de um jeito, que também rondava minha cabeça, mas não soube verbalizar: “adoro a luz e o cheiro disso aqui”. Verdade. Excluindo as temperaturas insuportáveis do verão e o apinhado de guarda-sóis, de resto o Rio é um preparado de sensações feitas de árvores dando sombras mornas e uma mescla de aromas – café, monóxido de carbono, fritura, doces, flores, pombos e um pouco de fossa. Tudo temperado com uma maresia delicadamente adocicada que você não encontrará em Barcelona. Junte a isso uma deliciosa diversidade que se lixa para personalidades, não está nem aí para o que veste e tem atenção redobrada com a carteira. É o perfeito resumo do Brasil brasileiro.
A cada pouso no Santos Dumont, o Ivo torcia para que não grudassem os impessoais “fingers” na orelha do avião. Preferia caminhar pela pista sentindo o cheiro do mar fundido ao querosene, e olhar pela enésima vez o Pão de Açúcar ali ao lado. Era seu “check in” na cidade. Forasteiros no Rio como eu, no entanto, não desistem de “ver” insistentemente todos os movimentos artísticos, sociais e políticos grudados em suas calçadas, impregnados nos antigos casarões e concebidos pelos botequins. O Ivo gostava da noite. Com ele e Murilo me tornei até um tanto conhecido nas esperas de uma mesa no Guimas, onde estraçalhávamos filosofias. Para mim, é este o Rio além das ondas criadas por Burle Marx para as calçadas de Copacabana e o Leme.
O responsável pelo contraponto de toda essa melodia improvisada é outro grande amigo, o Túlio. O cara é mergulhado em densa informação histórica, tem olhos afiados para qualquer traço arquitetônico e, salvo engano, retém o catálogo de todas as plantas do planeta na memória. Com seu contagiante e finíssimo humor, conhecedor de particularidades e descobridor de ângulos inéditos das paisagens cariocas, já me conduziu por museus, bibliotecas, restaurantes, jardins e lugares históricos dessa cidade que não poderia ter outro codinome senão “maravilhosa”.
Sorte a minha ter conhecido o Rio pela mão desses dois malucos. E voltar com aquele deslumbre interiorano.
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