Escrever é troço esquisito. Na gênese de quem se mete nisso certamente cabe um “no princípio era o caos”. Escrever é uma inquietude, um querer botar pra fora sem saber exatamente o quê. Num dia qualquer de sua vida, você é acossado pelo incontrolável desejo de dizer alguma coisa escrita. Achismos, aventura, emoções, até poesia, sei lá. Aí você vai à luta e, de cara, dá com o vazio primordial. Depois com as infinitas armadilhas da gramática, os lugares-comuns, palavras repetidas.

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Provavelmente seu primeiro texto também estará crivado com os malditos “quês”. É a praga-mor. Procurei, sem sucesso, nos Phrase Books de Roberto Duailibi a frase exata de um autor famoso na qual afirma ter descoberto tarde demais que não sabia escrever. Aqui no Santa estou na coluna 635. Portanto, 635 inseguranças. É meio por aí.

Você nunca sabe se está no caminho certo. No meu caso, talvez já devesse deixar de lado a politicalha corrupta. Sempre tive profunda admiração por essa turma boa de esquadrinhar o quotidiano. A Martha Medeiros, por exemplo, ela puxa um fiapo de um episódio aparentemente sem importância e com uma habilidade desconcertante se sai com verves de grudar na poltrona.

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Esta semana tive o prazer de reencontrar, vejam só, depois de quatro décadas, o amigo de juventude, professor, astrofísico e, surpresa!, excelente contista Adolfo Stotz Neto. O Adolfo é um desses amigos por natureza. Tanto tempo sem o menor contato e lá estávamos nós papeando como quando frequentávamos o curso pré-vestibular. Presenteou-me com dois de seus livros – Céu, Ilha e Um Cavalo Sem Nome – e, pronto!, depois de saborear umas boas páginas, voltou a vontade de escrever sobre pontos fora da curva. Escrevinhações à parte, também quero muito ouvir o Adolfo abordar o universo…

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Falar em universo, estive ao telefone com o ilhéu Marco Antônio Arantes, contista fascinante, e lhe falei da minha perplexidade favorita: nossa incomensurável insignificância ante o espaço sideral. Devolveu por e-mail: Há um assunto (…) que eu gostaria de encompridar um pouco, o da insignificância da Terra, ou do homem, diante do universo. São dois aspectos, acho. O primeiro, de que é preciso uma inteligência abissal (…), uma condição de abstração e teorização impensáveis, para conseguir-se alguma coisa tão sofisticada quanto “eu não sou nada diante do Universo”. O segundo, claro, é que “eu diante do Universo” (como se falássemos de duas coisas diferentes) não existe. O conceito “eu” é indissociável do conceito “universo”. Restaria saber onde termina “eu”, para que, daquele ponto, comece a outra coisa, o “universo”. Não dá para separar, meu irmão. O infinito também é aqui, a eternidade também é agora, e tu e eu também somos o universo…

É um privilégio conviver com esses caras.