Em janeiro de 2014 descobri pela Revista Bula os microcontos, narrativas limitadas em 100 caracteres. Embora não sejam reconhecidos como um gênero literário, os microcontos ganharam importantes adeptos. Nomes da literatura universal como Tolstói, Borges, Cortázar e Hemingway já os experimentaram. O guatemalteco Augusto Monterroso fundou o gênero com O Dinossauro, de apenas trinta e sete letras, considerado então o menor da literatura mundial: “Quando acordou o dinossauro ainda estava lá.” Notem a sutileza: a ausência de vírgulas flexibiliza o sentido. O microconto de Hemingway: “Vende-se um par de sapatos de bebê, nunca usados.” A história de uma tragédia familiar em 38 letras.

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Naquela coluna reproduzi – “pesquisados” na Bula – microcontos de autores brasileiros e estrangeiros publicados em vários livros e jornais. Vale reler: “Um homem, em Monte Carlo, vai ao cassino, ganha um milhão, volta para casa, se suicida.” (Anton Tchekhov); “O suicida era tão meticuloso que teve que refazer diversas vezes o nó da corda para se enforcar.” (Carlos Seabra); “Uma vida inteira pela frente. O tiro veio por trás.” (Cíntia Moscovich); “Conheceu a esposa em sua festa de despedida.” (Eddie Matz); “Uma gaiola saiu à procura de um pássaro.” (Franz Kafka); “O homem estava invisível, mas ninguém percebeu.” (José Maria Merino); “Eu escolhi paixão. Agora sou pobre.” (Kathleen E. Whitlock); “Eu ainda faço café para dois.” (Zak Nelson). Mesmo impregnados de tragédia, são inegavelmente cativantes.

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Há dois anos também arrisquei: “Como tinha veia política, as sangrias pouco lhe importavam”; “No palanque o farsante cresceu nos cascos. A escada o impediu de descer. Para sempre!”; “Os brotos do reimplante vingaram. Os brotinhos, não”; “À luz do sol quadrado, nunca se superou no jogo da velha”; “Com a curvatura da idade foi ficando mais perto do pó”; “Não morrer era seu último desejo, mas a Academia o preteriu”; “No fatigante vaivém da rítmica, muitos versos de pés quebrados”.

Hoje, mais alguns: “Barrado no baile, optou pela ressaca”; “O deputado teve um pesadelo: foi visto num paraíso”; “Como o publico não era respeitável, o mágico desapareceu”; “O avaro olhava o céu na esperança de um arco-íris”; “De uma vida sem sentido pelo menos saiu sem dores”; “Desgostoso, saltou no mais profundo de todos os abismos: morreu de velho”; “Quando soube que dois e dois são cinco, resolveu contar as estrelas”; “A corrupção muito lhe proporcionou, menos escolher uma mesa”; “Ao meter a chave na porta fez-se um eco diferente. Ela tinha levado tudo”; “No restaurante lotado jantou só. Pagou caro”; “Três caravelas, dez naus, um escrivão português e uma carta a mãos erradas”.

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Os microcontos não são pouca coisa…