Recentemente fui adicionado ao “Grupo de Oração” no Whatsapp. As rezas lá postadas são de outra ordem e me eximo dos detalhes. Em verdade vos digo, sim, tive ímpetos de bater em retirada, mas a autoexcomunhão resultaria em feroz maldição e achincalhamentos por parte dos administradores. Pragmático e longe de ser um pudico, mantive a inscrição. Bem, se as limonadas vêm do limão, volta e meia o tal grupo, além “daquilo”, também traz assuntos e informações bastante úteis para crônicas. Como esta.
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Entre piadas, política, futebol e suspiros, outro dia recebi um trecho em vídeo do show de Simone & Simaria cantando “Duvido Você Não Tomar Uma”. De cara, o cenário do palco – visto desde o fundo da abarrotada plateia – era inegavelmente kitsch, sem falar na lastimável cantoria das senhorinhas. No primeiro plano, deduzia-se uma galera predominantemente jovem. Cabelos, roupas, óculos, mostravam uma geração bem cuidada que, na imaginação deste colunista, não frequentaria espetáculos nos quais se apresentassem letras do tipo “Mas agora veja você/Diz que está mudado/Aposentou o copo/Não quer mais saber de álcool/Disse que parou/Que nunca mais beberia/Jurou pela vida, pela mãe, pela tia (…) /Quando a saudade maltratar/Vai lembrar da boca que era sua”.
Sentiu? Espantosamente, porém, a dupla esganiçada, desafinada, ruim de doer e breguíssima era aplaudida com febril entusiasmo por aquela juventude. A conclusão, bastante óbvia: é o dano causado por nosso deplorável sistema de ensino. O dinheiro mudou de mãos, classes ascenderam e, por outro lado, seus universos culturais ficaram para trás. A intolerância, senhores populistas, não é pelo passageiro ao lado na poltrona do avião, é pela dissintonia.
A boa MPB, de riquíssimo e invejável currículo, reconhecida mundo afora, não consegue mais dialogar com a atual massa consumidora. Quem viveu, ou hoje ainda tem interesse, nos preciosos anos da Bossa Nova, do Tropicalismo, da Jovem Guarda e do autêntico samba de raiz, nunca vai entender o que é cometido nas gravadoras atuais. Esses sobreviventes da época em que ainda tínhamos escolas decentes perderam a paciência.
Imensas lacunas no pífio ensino básico de português, matemática, história, geografia, biologia, química, física, etc., redundam na incapacidade de interpretar, analisar, discernir, discutir… Não imagino os admiradores de Simone & Simaria fazer alguma ideia, por exemplo, deste pedaço de “Vai Passar”, de François d?Arc d?Hollande: “Seus filhos/Erravam cegos pelo continente/Levavam pedras feito penitentes/Erguendo estranhas catedrais/E um dia, afinal/Tinham direito a uma alegria fugaz/Uma ofegante epidemia/Que se chamava carnaval”.
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Ó pesada dissintonia…