Meu amigo Flávio costuma brincar quando lhe desejam paz e muita saúde. “Não estou em guerra, nem doente”, ironiza. De fato, manifestações de paz, bom-dia, tudo bem?, saúde!…, são feitas da boca pra fora. Contudo, penso que na virada para 2016 não foi bem assim. Mesmo que os votos de paz, saúde, realizações e muito dinheiro no bolso ainda pulularam na hora dos brindes, muitos brasileiros, se não estão falando de lado, já olham pro chão. Anseiam, sim, por paz, saúde e realizações. E, claro, torcem pelo arrefecimento da inflação para poder pôr mais dinheiro no bolso.
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E há uma guerra, sim, nem tão surda, dividindo o país. No final do ano passado, houve um exemplo emblemático. Chico Buarque de Hollanda, ídolo de várias gerações, especialmente da minha, foi agredido verbalmente, quase levando a coisa às vias de fato, na saída de um restaurante no Rio de Janeiro. O bate-boca, incitado por jovens inconformados com a posição pró-PT de Chico, resumiu-se a argumentos pouco consistentes de ambos os lados.
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Os agressores – hoje representantes de uma infinidade de brasileiros e fãs – não aceitam a “dupla personalidade” do versátil músico por possuir apartamento em Paris ao mesmo tempo em que apoia o petismo, insistente achincalhador de classes com o mesmo status do compositor. Já Chico, o pai de “Cálice”, malandro-agulha sem perder pose e sorriso, atirou de volta bobagens do tipo “você é PSDB e lê Veja”. É assunto de cada um ser rico e aderir a um partido que se diz pelos pobres, ou se opor a ele, guiado por determinada linha editorial. A questão é outra.
Independente de ideologias, personalidades com o peso de Chico Buarque incitam antes de tudo uma enorme carga de emoção e identificação. Chico construiu sua carreira com extremo brilho, arrebatando e inspirando multidões de variadas matizes. Tornou-se responsável por elas. Em algum momento, todos nós, seus admiradores, gostaríamos de ter sido um pouco Chico. Poetar, cantar, dizer e escrever ao jeito Chico.
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A não ser, caro e paciente leitor, seja você irredutível, haverá de convir que a falsa política e a sistemática corrupção, ora imposta ao país, se tornou insustentável. Ou será que analistas de todas as áreas se uniram num diabólico arrocho à vestal equipe do governo? Não, né?! Amargamos os piores índices, 80% dão como ruim ou péssima a condução da presidente.
Aí, Chico Buarque – que com incrível maestria e safismo expôs as agruras dos oprimidos em tempos duros – desconcerta seus simpatizantes (fonte de seus proventos) e estranhamente se declara a favor de gente que faz vista grossa a tiranetes e ditaduras. Vai entender… Acabou causando uma capilar indignação nas redes sociais.
Nada a ver com ser PSDB ou ler Veja, Chico. Seus fãs se sentiram Genis: bons de cuspir.