Escrever é dos diabos. Já disse, tenho um respeito danado por bons cronistas, sobretudo os diários, esses prestidigitadores de trivialidades, de pegadas no ar, alquimistas da despretensão, das fofocas, dos trechos de conversa. Inabaláveis com o passar das horas, no dia seguinte saem-se com um texto de dar recorte em salão de barbeiro. Da velha escola porto-alegrense me assaltam ainda hoje alguns nomes de jornal, rádio e TV: Ruy Carlos Ostermann, Sérgio Jokyman, Lya Luft, Lauro Quadros, Paulo Santana, Ivete Brandalise, Armindo Antônio Ranzolin, Verissimo, Flávio Alcaraz Gomes… Bem, eu preencheria facilmente os 2,6 mil caracteres com espaços, impostos pelo editor, com esses “endiabrados”.

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O professor Ruy conseguia filosofar manso sobre o mais fajuto dos grenais e Lauro Quadros certa vez, lembro bem, discorreu profundamente sobre a desvantagem de Escurinho, do Inter, em usar cabeleira “Black Power”, pois afofava a bola ao cabecear. Sergio Jockyman era poeticamente irônico com o cotidiano e Paulo Santana, portador de uma paixão corrosiva pelo Grêmio, faz pouco falou magnificamente sobre a beleza de uma jornalista de 30 anos recém-chegada à redação. De abobrinhas, poesia e profundas reflexões, foi um vasto compêndio de Como se Tornar Cativo de Colunistas. Eu fui.

De uma geração bem mais recente, apareceu Martha Medeiros. Martha foi muito além da “província” (um adjetivo para POA em meus tempos de PUC). Ela bate nas onze. Escritora de sucesso, roteirista de teatro e cinema, palestrante requisitada pelo país, Martha manda pra valer em suas crônicas. Exauri minhas metáforas, sobrou um jargão: Martha tira leite de pedra. Martha é solta, atenta, desmistifica a si própria, se mostra, é impaciente e golpeia com precisão. E parece ser um tantinho mal-humorada…

Dia desses se encheu com os malas que lhe mandam livros para comentá-los (é que o mundo se divide em dois tipos de pessoas: as que querem falar com você e as com quem você quer falar). E na penúltima coluna descreveu deliciosamente uma flanada “forçada”, por estar sem carro, pelo centro de Porto Alegre com um amigo inglês depois do almoço. O passeio reapresentou a ela um trecho esquecido da cidade e provocou encontros com pessoas que há muito não via. “Abraços, beijos, risadas”. Talvez goste mais das tiradas da Martha por ter morado em Porto Alegre. Sei lá…

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Mesmo repartindo rotativas, nunca falei com ela pessoalmente – nem a velha guarda citada acima -, o que é vital para não se perder a tietagem. O provérbio chinês diz tudo: nunca vá à casa do rei. Privar com Martha seria desconfortável, imagino. Salvo houvesse entre nós forte empatia, eu seria apenas mais um chato a dizer por aí que a conheço.

Prefiro encontrá-la aos domingos no Donna.