Ando um tanto intrigado com minhas colunas. Quem se mete no ofício da escrita, depois de um tempo se arrisca a ligar um traiçoeiro piloto automático. Por outra, você acha que está tudo bem, encontrou um estilo leve que agrada uma considerável faixa de leitores, etc. e tal. De repente, sem alarme, um cabo se desconecta da placa-mãe, o ¿pitot¿ congela ou o altímetro é avariado por um urubu. Digo isso porque ouvi sutilmente de uma leitora que eu estava me sofisticando. Quem dera… Mas o assunto é bom.
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Mesmo já tendo adquirido alguma segurança nesses meus curtos voos literários, meti a cara no Google e topei com uma crônica de Rilvan Santana. Começa assim: ¿O exercício da escrita é solitário e difícil, mais fácil é falar (a palavra voa, a escrita fica e o exemplo permanece), discursar, palavrear, tagarelar, jogar conversa fora, mas quando se deseja colocar no papel, palavras, conceitos e ideias, aí, a porca torce o rabo…¿.
O Rilvan tem óbvia razão, contudo, no meu caso a porca talvez tenha torcido o rabo no passo seguinte. Depois de ter conseguido razoavelmente ¿colocar no papel, palavras conceitos e ideias¿, comecei a gostar da brincadeira. E foi justamente por isso – me apegar à mecânica gramatical, descobrir que os penduricalhos na construção de frases só afastam o leitor, me policiar na repetição de palavras, ficar atento a verbos defectivos, garimpar vocábulos exóticos, não permitir que a crase me humilhe… – que devo ter cruzado inadvertidamente a linha de uma suposta ¿sofisticação¿…
Tarde demais. A gramática, quando não é metida a besta, fascina. Experimente você, caro e paciente leitor, ouvir os comentários na Rádio CBN do professor Pasquale Neto sobre as armadilhas da nossa língua. Ou as curiosidades e transformações do português falado no Brasil, abordadas por Sérgio Rodrigues, na mesma emissora. Longe de ser assunto para linguistas ou eruditos, são dicas para o seu dia a dia. Falar corretamente não é ser pernóstico (oops!), é simplesmente um cartão de visitas que abre portas. Pouco adianta um terno bem cortado se você diz ¿seje¿…
Esta semana escrevi no Facebook ter desistido de batalhar pelo uso da vírgula do vocativo, recurso essencial para clarear diálogos. Nem ousaria me aventurar com barbaridades do tipo ¿pra mim fazer¿, ¿di menor¿, ¿agente vai sair¿. ¿menas¿, ¿eu me adéquo¿, essas coisas. Só quis que atentassem para o vocativo. Hmm… alguns ainda torceram o nariz. O ensino da língua portuguesa foi tão danificado por várias gerações que, vejam só, estou me desdobrando para não parecer ¿superior¿ nessa conversa.
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Ou você acha que deveríamos testemunhar um universitário de Publicidade escrever ¿o serumano é…¿ e simplesmente aderir ao prosaico ¿o importante é se comunicar¿?