A expressão “tirar o bode da sala” tem ene versões. A mais sucinta: esposa reclama ao marido não aguentar mais os móveis da sala – velhos, sujos, démodé. Uma sala nova estaria pela hora da morte. O marido arranja um bode (como, não me pergunte) e hospeda o bicho na sala. Em uma semana, óbvio, o clima está pra lá de intolerável. O bode é removido e o living, após providencial desinfetação, se torna o lugar mais aprazível da casa. Se você já descobriu minha analogia com a pátria educadora… Bingo! Sai uma mortadela!

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Escolhemos pôr um bode na nossa casa em 2002. No início, arisco, ficou quieto no seu canto, longe da sala. Não interferia nos afazeres domésticos. A casa andava arrumada e os moradores sabiam como tocá-la. O bode preferia ficar ao sol no quintal, sem estorvos. Vez ou outra dava suas voltas pela redondeza. Logo, porém, foi ficando mais à vontade, e trocou o gramado pelos tapetes. Os donos da casa, até então cordatos com o hóspede, começaram a ficar pê da vida quando o flagraram ruminando as avencas. Também chafurdava a horta e quando lhe dava na telha traçava algumas roupas do varal. Sempre as de grife!

Ficou espaçoso o bode. Agora já estava a par do que havia nos cômodos e eventualmente se sentia mais dono que os próprios donos. Folgado, convidou amigos bodes para irem ocupando cada canto do imóvel e lentamente impor-se aos proprietários. Era bode no dormitório, abrindo a geladeira, tomando chuveiro. A maioria gostava mesmo era da churrasqueira e despensa. O plano do bode-mor era, com os amigos bodes, tomar posse definitiva da casa.

Mesmo com a esculhambação instalada, a casa ainda funcionava, as contas eram pagas com a poupança dos donos. Ok! Já havia vazamentos, vidros quebrados, mas como os donos iam nutrindo a poupança, os bodes distribuíam gorjetas em conta-gotas até conquistarem uma parte dos moradores que agora já pouco se lixavam com o andamento doméstico.

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Quando expirou a hospedagem, o bode-mor não quis sair. Entretanto, com o que sobrou das leis, teve que ceder. Então resolveu colocar em seu lugar uma cabra amiga para indiretamente seguir usando a casa. O passado da cabra pouco recomendava: derrubara gente com violentas chifradas. Aboletou-se na sala e, aos palavrões, revelou seu péssimo humor e a pesada incapacidade. Ainda impôs aos bodes ser tratada de “boda”. E ai de quem desobedecesse!

Torrou o resto da poupança, a gorjeta ficou curta. As paredes sujas e rachadas estão cedendo. Alguns bodes aduladores ainda se revezam com as escoras. Os proprietários estão revoltados por um dia terem permitido a hospedagem daquele bode. A boda pediu auxílio ao bode para a casa não cair. Prestes a entrar no brete, os dois ensaiam na sala discursos enlouquecidos e vazios.

Os proprietários exigem que pelo menos saiam da sala.