Terça passada, fim de tarde, fui conferir o recém-inaugurado Calçadão Brueckheimer, um trecho da Rua Capitão Euclides de Castro. Por lá aprontei boa parte da minha adolescência e juventude. Sim, você acertou: um filme sempre surge. Imagens difusas, sons e mesmo alguns cheiros bem característicos percorreram minha memória no curto passeio pelo “beco”, como costumávamos chamá-lo. Com exceção da loja que dá nome ao local – Casa Brueckheimer -, quase tudo se modificou, em sintonia com a cidade, hoje tão necessitada de espaços assim.

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Raros automóveis rosnavam pela travessa quando ainda se sobressaíam o alvoroço da rapaziada atrás de uma bola improvisada, os saltos das meninas pulando amarelinha e o papaguear entre varandas das comadres, rotundas e vagarosas, quase sempre de escuro. Uma delas era a dona Bicota. Vez ou outra o ar se enchia dos cortantes zumbidos vindos da oficina de lambretas, seguidos do vapor acre dos motores de dois tempos misturado ao aroma de mais uma fornada de balas Pfeiffer.

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João, Sérgio, Érico, Jorge, Ana Lúcia, Jane, Guilherme, Fernando Antônio, Paulinho, Borba Neto, Ralf, Ulla, Zeca, Seclende, Alfredo, Arlindo, Mônica, Aparecida, Elimar, Yara, Teresinha, Elieta, Lígia, Leoni, Puki, Carlos Fernando, Lurdes, Ivo, Ângela, Betinho, Róbi, Heitor, Klaus, Max, Carlos Paulo, Jonas, Jairo, Werner, Márcia, Mário, Eduardo, Maurício, Mauro, Beto, Gladys, Verena, Dóris, Marlis, Nelson… Cada um, inclusive os esquecidos nesta lista, certamente guardam muitas lembranças e aventuras daquele beco. Vão desde a explosão no laboratório químico improvisado que ergueu levemente o piso da cozinha da casa do João, até minhas aulas particulares com dona Célia, depois a Yara, para ver ser finalmente merecia um trem elétrico no Natal.

A “Rua do Bricâima”, mal comparando, são minhas Águas de Março: era o jipe do Beduschi que só respondia na manivela; era o alfaiate Becker inconformado com as bocas-de-sino; era o sapateiro Pedro a recuperar os calçados domingueiros; era a bela Elieta e suas esperadas aparições; era o funcionário do Brueckheimer – “quer ar nacional ou estrangeiro?” – enchendo a bola de futebol; era o pônei do Jorge a derrapar no asfalto; era o quintal dos Borba virado num pequeno zoo; era uma loirosa namorando na janela; era uma bicha alienígena de investidas inúteis; era o “Maro” da Rua Araranguá pedindo pão; era a velha do saco; era o rolar dos patins, o rodar do peão, a serra-fita dos Móveis Ideal, o badalar escandaloso da Matriz, a bicicleta sem o uso das mãos, o tilintar das clicas, o estalo das bombinhas, as conversas no meio-fio, o roubo de jabuticabas…

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Velhos tempos, belos dias, diria Roberto Carlos, na época estourando com O Calhambeque.