O Recanto que Gal Costa trouxe a Florianópolis, na noite desta terça-feira, passa longe de qualquer zona de conforto. A baiana bebeu de tantas fontes quanto os 10 goles de água que tomou ao longo de uma hora e meia de apresentação no Teatro Governador Pedro Ivo e fez uma performance contemporânea. Não por menos, a queridinha dos “modernos”, a islandesa Björk derreteu-se com a ambiência vigorosa de Autotune Autoerótico. Se ouvisse a funqueira Miami Maculelê, desceria até o chão.
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Recanto, o show do disco composto quase na sua integridade e dirigido por Caetano Veloso, é essencialmente eletrificado. Tudo foi rearranjado habilmente, para ser moderno com propósito. Nisso, mesmo a ausência física de Caê no show torna a sua onipresença marcante. Gal canta com precisão, modula o tempo a seu favor e se apresenta dona e manipuladora do universo em constante refresh tecnológico. Brinca com os recursos digitais, como o programa Autotune, tão indispensável para equalizar vozes entre a nova gerações quanto a dependência do Google para se informar.
Gal abre o show impondo uma sequência das suas confabulações indietrônicas com Caetano: Da Maior Importância, Tudo Dói e Recanto Escuro, todas do novo trabalho. Uma atmosfera densa, som impecável, carregada de efeitos sintetizados, bases e uma certa distorção nas guitarras. Ela emposta a voz e rege a sua hábil escuderia, formada pelo jovem trio Pedro Baby (guitarra e vocais), Bruno de Lulu (guitarras e contrabaixo) e Domênico Lancelotti, o dono da bateria acústica e muito à vontade nas manipulações dos efeitos e synths.
Um show que agradaria muito mais aos jovens “antenadinhos” do que propriamente os fãs mais conservadores. Gal ensina que há um mundo a ser rodado entre querer posar de moderno, do fato de sê-lo. Com um legado de cinco décadas a preservar, Gal Costa mostrou que é muito mais vanguarda do que uma legião de revolucionários que sequer deixaram as fraldas. Ela é moderna e o faz parecer fácil. Ledo engano, Neguinho (uma surpreendente fritada post rock do novo álbum) precisa ralar muito para estar “entre nóis”. Veterana baiana revela segurança e autenticidade para transitar naturalmente entre o alternativo cabeça e o lirismo sereno, como nas belas Folhetim, Mãe, Minha Voz, Minha Vida, Divino Maravilhoso, Dom de Iludir, Meu Bem, Meu Mal, e até emula a voz de Tim Maia em Um Dia de Domingo, sem recorrer ao artífice manjado da holografia. Recursos para isso ela tem e o público certamente pagaria para ver. A propósito, tanta eletricidade no palco contrastou com a aparente apatia e caretice da plateia que lotou em corpo o Teatro Pedro Ivo, porém faltou em essência. Quem sabe vendeu a simpatia para poder bancar os R$ 300 cobrados, em média, pelo ingresso.
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De certa forma ficou evidente a dificuldade geral para digerir tantas texturas e releituras melódicas. O público respondia com certo atraso hits consagrados, como Baby e Vapor Barato. Esta segunda mergulhada em um arranjo catártico, e a banda O Rappa deveria envergonhar-se pelo sacrilégio de tocá-la. O público parece que só foi atinar em Força Estranha, que foi sucedida pela surpresa da noite, Gabriela, clássico reconduzido à ribalta por força da novela. E devido ao sucesso do remake televisivo ela abriu concessão, com a condescendência de Caetano. Gal foi senhora e moderna naquilo que muitos custam a entender: fazendo máximo com o mínimo. Vigorosamente minimalista, minimamente consensual.
Para escutar o repertório completo do show clique aqui.
::: Da Maior Importância
::: Tudo Dói
::: Recanto Escuro
::: Divino Maravilhoso
::: Folhetim
::: Mãe
::: Segunda
::: Minha Voz, Minha Vida
::: Barato Total
::: Autotune Autoerótico
::: Cara do Mundo
::: Deus é Amor
::: Dom de Iludir
::: Neguinho
::: O Amor
::: Baby
::: Vapor Barato
::: Um Dia de Domingo
::: Miami Maculelê
::: Mansidão
::: Força Estranha
::: Meu Bem, Meu Mal
::: Gabriela