Ela foi uma das maiores cantoras da história do Brasil, a intérprete por excelência de Noel Rosa (1910 – 1937), posto reconhecido pelo próprio Poeta da Vila. Para grande parte dos que ainda se recordam dela, porém, Aracy de Almeida (1914 – 1988) era aquela jurada mal-humorada e com jeitão de machona, que gongava sem dó os calouros no programa de Silvio Santos.

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A folclórica figura esquisitona, cujo bordão “Não gostei, 10 pau!” fulminava os canários aspirantes nos domingos televisivos, marcou o imaginário popular nacional nos anos 1970 e 1980. O recém-lançado livro Aracy de Almeida – Não Tem Tradução, porém, ajuda a lembrar que aquela senhora de maus bofes também foi chamada com justiça durante décadas de “O Samba em Pessoa”.

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No volume, o jornalista, escritor e roteirista de televisão Eduardo Logullo compilou frases, entrevistas e depoimentos que revelam diversas facetas da grande artista – cujo centenário passou praticamente despercebido em agosto passado.

Fragmentado, sem seguir uma ordem cronológica, meio anárquico como sua biografada, Não Tem Tradução não é uma biografia. (Esse trabalho já foi bem feito por João Antônio, em Dama do Encantado, e por Hermínio Bello de Carvalho, em Araca – Arquiduquesa do Encantado, um Perfil de Aracy de Almeida.) O formato ágil do texto, dividido em tópicos, parece querer atrair os neófitos, buscando reproduzir o estilo desbocado e cheio de gírias do discurso aracyano.

Antológico disco “O Samba em Pessoa” (1961):

Nascida no Encantado, bairro do subúrbio da zona norte carioca, Araci Telles de Almeida – mudou a grafia do nome porque “com Y fica mais bacana” – era filha de pastor batista e começou a cantar na igreja. Levada pelo pianista Custódio Mesquita para a Rádio Educadora do Rio em 1932, foi escutada por Noel Rosa, que gamou na voz anasalada e meio melancólica da menina – no mesmo dia, o compositor entregou para a jovem cantora o samba Riso de Criança. Foi sopa no mel: Noel apresentou Aracy para a malandragem carioca, elegendo a novata como sua voz oficial. Durante os cinco anos de parceria artística e farrística, Araca gravou 34 canções do Rei das Letras, inclusive Último Desejo, espécie de testamento musical de Noel. Segundo a Dama do Encantado, no entanto, nunca rolou romance com o autor de Feitiço da Vila, Três Apitos e Palpite Infeliz: “É bom deixar dessas mumunhas que eu sempre fui uma mulatinha de bofes azedos, baixinha e que de bom só tinha a voz. Noel gostava de mim no botequim. Pra cama, ele só levava mulata grandona”.

Além de Noel – cuja redescoberta a partir de 1950 deveu-se muito graças aos discos que Aracy passou a gravar na época com seu repertório -, a vocalista fez sucesso cantando também Lamartine Babo, Assis Valente, Ataulfo Alves, Orestes Barbosa, Wilson Batista. É dela a versão de Camisa Amarela que mais agradava ao autor -apesar das liberdades da intérprete: na letra original, o folião de Ary Barroso era encontrado pela mulher “bebendo o quarto copo de cachaça”; o quinto martelinho foi por conta de Aracy na gravação.

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A melhor jurada do “Show de Calouros”:

No começo dos anos 1970, dizendo-se cansada do microfone, começou a participar de programas de auditório, destacando-se pela dureza com que julgava os calouros e pelas tiradas irônicas e inteligentes, tornando-se a jurada mais bem paga da televisão brasileira.

Amiga de cervejadas de Mário de Andrade e Antônio Maria, colecionadora de quadros de pintores como Di Cavalcanti e Aldemir Martins, amante de ópera, capaz de citar longas passagens da Bíblia alternando-as com palavrões e xingamentos, Aracy de Almeida dizia que nunca tinha desafinado – afirmação jamais contestada. Àqueles que a acusavam de cantar pelo nariz, respondia assim: “Cada um canta por onde pode, né, meu filho?”.

Entrevista sensacional com Ibrahim Sued para o “Fantástico”:

Algumas frases emblemáticas de Aracy de Almeida:

“E estamos conversados – como ela gostava de sentenciar.”

“Eu sou a maior fuleiragem que existe.”

“Eu nunca me casei porque o homem dos meus sonhos nasceu morto, minha filha.”

“Amo qualquer um, homem, mulher, bicho, coisa. Dura um dia, um mês. Dura quanto durar.”

“Não sei o que você chama de alegria. Gente feliz nasce morta.”

“Olha aqui, meu filho, quem canta de graça é galo.”

“O ambiente não ajuda e o mingau anda grosso.”

“Sou atual, estou na minha, sou griladona, estou cheia de transas e tal.”

Araca no “Show de Calouros”:

Programa “Vox Populi”:

Programa “MPB Especial” (1972):

Documentário “Mosaicos – A Arte de Aracy de Almeida”:

Trecho do programa de entrevistas “Quem Tem Medo da Verdade?” (1970):

Inacreditável disco “Aracy de Almeida Ao Vivo e à Vontade” (1980):